sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Encontro Inesperado

A maior aventura do rapaz no rio ainda estava para acontecer e deu-se numa tarde de Primavera, quando o campo estava cheio de trevos, de malmequeres e de girassóis e a casa parecia toda cercada de flores, que cresciam nos canteiros e nos vasos que a mãe do rapaz regava e tratava com tanto cuidado.
Era uma tarde já quente mas a água do ribeiro ainda estava muito fria para se poder tomar banho e o rapaz estava deitado de bruços na pequena praia de areia, distraído a fazer uma construção com pedras e ramos de árvores. De repente ouviu um grande barulho na água atrás de si e voltou-se ainda a tempo de ver um enorme peixe que dava um salto imenso fora de água. Todo torcido como se fosse uma bailarina: e, depois de ficar um instante suspenso no ar, olhando tudo à roda, caiu outra vez dentro de água, com um grande estardalhaço, salpicando água até onde estava o rapaz. Este quieto de medo, porque nunca tinha visto um peixe daquele tamanho e nem sabia que os peixes podiam dar saltos tão grandes fora de água. Sem saber o que fazer e até sem coragem para fugir o rapaz ficou a olhar para a água e viu claramente o peixe que nadava de um lado para o outro, como se fosse dono do lago. Mas o mais extraordinário é que daí a bocado o peixe tirou metade do corpo fora da água, como se estivesse em pé no fundo, e pôs-se a olhar para o rapaz com um sorriso na sua boca enorme. E, depois, como se fosse um sonho, o rapaz ouviu o peixe a falar, com uma voz estranha, que parecia ir ao fundo do rio:
- Olá, rapaz Tu vives aqui2 — perguntou o peixe, com muito bons modos.
- Vi-vi-vo — gaguejou o rapaz, ainda a tremer de medo.
- Ah -- disse o peixe — esta é um sitio muito bonito. O ribeiro é muito bonito, a agua é muito limpa e há várias pedras onde se pode construir uma casa. Este lago é teu?
- E, é, m-meu — disse o rapaz. E on-onde eu tomo banho no Verão e onde eu brin-brinco sempre que não está a cho-chover. Mas, diz-me uma coisa, peixe — a rapaz encheu-se de coragem — Como é que tu falas a língua das pessoas?
- Ah, isso é a história da minha vida. Queres ouvi-la?
- Quero — disse o rapaz, já cheio de curiosidade.
- Pois bem, vou contar-te.

Miguel Sousa Tavares, O Segredo do Rio, Oficina do Livro

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O Carnaval no nosso País


Actualmente, o Carnaval quase desapareceu da Europa, onde já teve grande importância em vários lugares.

O Carnaval português, que foi exportado para as antigas colónias, em especial para o Brasil (por volta de 1723), e sempre teve características bem diferentes do de outros países da Europa, sendo reconhecido até mesmo por autores portugueses como uma festa cujas características principais eram a porcaria e a violência.

O Carnaval de antigamente não era como hoje um desfile de corsos e meninas a dançar com pouca roupa, como no Carnaval brasileiro. (Não nos podemos esquecer que na altura do Carnaval, no Brasil é Verão, mas cá não, brrrr...)

As pessoas mascaravam-se, pregavam partidas, gozavam com as outras pessoas pois estando disfarçadas podiam fazê-lo sem serem reconhecidas.Faziam "assaltos", que era irem ter com alguém em especial (de que se gosta - ou não -) e fazer-lhe a vida negra para se gozar com essa pessoa até se fartar, deixando tudo em desalinho.

O Carnaval de cada terra tinha o seu rei, o Rei Momo, que também tem uma rainha.A corte tem vários ministros (a fingirem ques estão sempre bêbedos) e imensas "matrafonas", que são homens vestidos de forma ridícula ou de mulher.Normalmente há zés-pereiras que acompanham e animam o desfile, a tocar bombo, ou "tropas fandangas" também a tocar e a fazer disparates. Também aparecem gigantones e outros disfarces.

Hoje em dia Portugal ainda tem Carnavais com muita força e tradição: Ovar, Torres Vedras, Alcobaça, Loulé... E muitos mais, pois por todo o lado se brinca e se organizam festejos e bailes de Carnaval.


http://www.junior.te.pt/carnaval09/carnaval_portugal2.html

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Rapunzel

Era uma vez...

Um homem e uma mulher que viviam junto à horta de uma bruxa, cheia de bonitas plantas e hortaliças.
Um dia, a mulher, que estava grávida, teve um desejo atroz de comer rapôncios!
- Vai à horta aqui ao lado e traz-me um bom molho deles!
O marido, que gostava muito da sua mulher, obedeceu de imediato. Saltou o muro que separava a sua casa da horta da bruxa e, quando estava a apanhar os rapôncios, apareceu a velha aos gritos:
- Como te atreves a entrar na minha horta e roubar-me os rapôncios? Vais-te arrepender! - exclamou.
- Tenha piedade! Respondeu o homem.
A minha mulher está à espera de um bebé e teve um desejo de comer rapôncios...
- Assim sendo - interrompeu a bruxa - podes levar todos os rapôncios que quiseres, mas com uma condição. Quando nascer essa criança entregas-ma para eu cuidar dela!
Cheio de medo, o homem aceitou. Alguns meses mais tarde, quando a mulher deu à luz uma bonita menina, a quem chamaram Rapunzel, o casal, com muita tristeza, entregou-a à bruxa. A menina cresceu bonita e saudável, com uns longos cabelos, reluzentes como o ouro. Ao completar doze anos, a sua raptora fechou-a numa torre muito alta que não tinha porta nem escadas para chegar até ela.
A pobre menina, como não tinha mais nada para fazer, passava o tempo a tocar com a sua harpa uma triste melodia.
Alguns anos depois, passou por ali por acaso um jovem príncipe que, atraído pela bonita música de Rapunzel, resolveu parar. Quis entrar na torre, mas não encontrou nenhuma porta e regressou ao palácio.
Mas a curiosidade do príncipe por essa misteriosa melodia era tão forte, que todos os dias ia ao pé da torre para a ouvir.
Um dia, ao chegar à torre, ouviu a bruxa que gritava: - Rapunzel, deixa cair os teus cabelos!
Depois, a jovem fez deslizar as suas suaves tranças pela janela e a bruxa trepou por elas. «Se é assim que se chega ao cimo da torre, amanhã volto cá e faço o mesmo!», pensou o príncipe. No dia seguinte, antes de anoitecer, o jovem regressou à torre e, imitanto a voz da bruxa, gritou:
- Rapunzel, deixa cair as tuas tranças!
De imediato, deslizaram as tranças de ouro da rapariga e o príncipe trepou por elas.
No início, a jovem assustou-se com a presença do príncipe porque, além da velha bruxa, nunca tinha visto mais nenhuma pessoa. Mas aos poucos Rapunzel foi perdendo o medo quando o jovem lhe contou que estava ali porque a sua música o tinha impressionado tanto como o impressionava agora a sua beleza.
O príncipe, comovido com a tristeza e solidão em que Rapunzel vivia, convidou-a para abandonar a torre e ir embora com ele. Finalmente ia acabar com a sua clausura para sempre!
Mas, como sairiam dali? A jovem não podia utilizar os seus próprios cabelos para descer da torre.
Na visita seguinte, o príncipe levou-lhe uma porção de fitas de seda, para com elas tecer uma escada e assim poder deslizar para o chão.
Depois fugiram juntos, a galope, até ao castelo do príncipe. Mas a velha bruxa estava a ver tudo através da sua bola de cristal.
- Ah, sua mal agradecida! Vais pagar por isto! - exclamou enraivecida.
Na manhã seguinte, a bruxa dirigiu-se à torre furiosa. Num ataque de raiva, agarrou os cabelos de Rapunzel e cortou-lhe as suas bonitas tranças com uma tesoura. Depois obrigou-a a acabar a escada de seda que estava a fazer e levou-a para uma gruta escondida na floresta. A bruxa malvada deixou ali a infeliz jovem e regressou à torre, disposta a vingar-se do príncipe. Subiu pela escada de seda; depois retirou-a e, no seu lugar, colocou as tranças que tinha cortado a Rapunzel. O príncipe não tardou a chegar e, sem perder tempo, começou a trepar por elas.
Quando chegou ao cimo da torre, o príncipe, em vez de encontrar a sua amada, deu de caras com a bruxa, que o olhou com olhos de quem se queria vingar.
- Ah ah! Querias fugir com a minha menina, mas ela não está aqui! - disse-lhe.
- Nunca mais a vais voltar a ver!
Foi tal a surpresa do príncipe que perdeu o equilíbrio e foi cair em cima de uns espinhos que se espetaram nos seus olhos, deixando-o cego.
Enquanto o príncipe tentava pôr-se de pé e andar, a bruxa regressou a sua casa muito contente, pensando que o jovem tinha morrido na queda. E como tinha outra vez a rapariga em seu poder, deu-se por satisfeita com a sua vingança. «Voltou tudo ao normal!», pensava.
Desde então, o príncipe vagueou de um lado para o outro, sem rumo, chorando a perda da sua amada Rapunzel. Um dia, por acaso, chegou perto da gruta onde a jovem estava prisioneira. O príncipe ouviu sair lá de dentro a bonita melodia de que tanto gostava. Pegou numa grande pedra e atirou-a com toda a força contra a grade que impedia a entrada. Depois de entrar, Rapunzel reconheceu-o e correu feliz para os seus braços.
- Meu amor! - exclamou entre soluços. Pensava que nunca mais te voltaria a ver!
A jovem apaixonada chorou tanto que as lágrimas inundaram os olhos do príncipe, devolvendo-lhe a visão.
A alegria de ambos foi imensa. O jovem tinha recuperado ao mesmo tempo a sua visão e a sua querida Rapunzel. Então, sem mais demoras, partiram velozes para o castelo do príncipe, onde foram recebidos com todas as honras.
Uns meses mais tarde casaram-se e viveram felizes durante muitos anos, a salvo da bruxa malvada.

Vitória, vitória, acabou-se a história!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Rosa e Lírio

A rosa
É formosa:
Bem sei.
Porque lhe chamam – flor
D’amor,
Não sei.

A flor,
Bem de amor
É o lírio;
Tem mel no aroma – dor
Na cor
Lírio.

Sei o cheiro
É fagueiro
Na rosa,
Se é de beleza – mor
Primor
A rosa.

No lírio
O martírio
Que é meu
Pintado vejo:- cor
E ardor
É o meu.

A rosa
É formosa,
Bem sei…
E será de outros flor
D’amor…
Não sei.

Almeida Garrett

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Lendas do Mar

Um dia, quando o mar estava encapelado e ameaçador, veio uma onda e atirou para terra uma bela sereia de escamas reluzentes na metade inferior do corpo e pele muito branca e macia na metade superior. Fosse como peixe, fosse como mulher, era uma criatura invulgarmente estranha e atraente.
Quando recuperou os sentidos, a sereia descobriu que estava deitada em cima de uma rocha, não tendo qualquer forma de regressar ao mar, que era o seu meio natural.
Fora dele não teria muito tempo de vida.
Apareceu então na praia um jovem pescador que era pobre e triste e que nem dinheiro tinha para comprar um barco e se aventurar nas águas. Como não podia encher as redes de peixe, andava pelas rochas a apanhar mexilhões e caranguejos.
Quando cumpria essa monótona tarefa de todos os dias, levantou ligeiramente a cabeça e viu a bela sereia que o olhava, implorando ajuda.
– Quem és tu e o que fazes aqui? – quis saber o pescador, entre fascinado e amedrontado com tão inesperada visão.
– Eu sou uma sereia do mar e fui atirada para cima desta rocha por uma onda grande e feia que tinha inveja da minha beleza. Agora estou aqui presa e se não voltar à água acabarei por morrer. [...] Se me puseres depressa dentro de água, eu virei todas as semanas, num dia certo, aqui à praia, para trazer-te ouro e prata. Será essa a recompensa do favor que me vais fazer.
O jovem pescador, que era pobre e tinha irmãos mais novos para sustentar, não pensou duas vezes: pegou na sereia ao colo e lançou-a à água, não sem que antes combinasse o dia e a hora em que ela o visitaria todas as semanas.
Durante anos, a bela sereia cumpriu o que prometera. Sempre que se encontrava na praia com o pescador, entregava-lhe quantidades consideráveis de metais preciosos, que ele ia aplicando em negócios vários. Não foram necessários muitos encontros para que ele pudesse considerar-se um homem rico.
Os anos passaram, e o pescador sentiu no corpo o peso da idade. Envelhecera. A sereia, porém, mantinha-se inalteravelmente jovem e bela, demonstrando pertencer ao mundo das coisas eternas.
Um dia, o pescador, que já possuía casas, barcos, automóveis e outros bens que lhe dariam para viver regaladamente o tempo de várias vidas, interrogou-se: «Será que eu venho à praia todas as semanas para receber a minha recompensa ou para ver a sereia?» Não tardou a perceber que era a presença da sereia e a sua beleza que o faziam percorrer aquele caminho, fizesse chuva ou sol. Ao ouro e à prata, já pouca atenção dedicava. Se um dia ela desaparecesse, a sua vida deixaria de ter sentido.
Apesar de ter muitas pretendentes, o pescador nunca chegou a casar-se, e no dia em que a sereia, considerando cumprida a sua promessa, deixou de aparecer na praia, sentiu que se apoderava dele uma grande tristeza e que nem toda a riqueza do mundo o voltaria a fazer feliz. Para a recordar, mandou erguer sobre a rocha, onde muitos anos antes a encontrara, uma bela estátua de bronze, que ali permaneceria como homenagem à sua beleza.

José Jorge Letria, Lendas do Mar, Lisboa, Terramar Editores, 2000

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O rapaz e o robô

João saiu da escola furioso. Mais uma negativa a matemática! Ia ficar de castigo e, ainda por cima, lhe cortavam a semanada.[...]
Deu um pontapé numa pedra e logo, por azar, trás!, a maldita foi acertar no vidro da drogaria. Plim... plim... plim... desfez-se em cacos.
João largou a correr, atrás dele o droguista, atrás os colegas a rir, numa chacota.
– Que pontaria!
– Não acertas nas contas, mas acertas nas montras.
– Vais ser convidado para a selecção de futebol. Este foi o melhor golo do campeonato.
Fingindo não os ouvir, o rapaz esgueirou-se, saltou para um autocarro, sem saber o destino que levava.
Aos balanços, sacudido para aqui e para além, via passar casas e ruas desconhecidas. Perdido por cem, perdido por mil. Havia de ir até ao fim da carreira. Voltar para casa para quê? Para apanhar um raspanete?
Era quase noite quando o autocarro finalmente parou junto a um largo triste. Apeou-se. Não sabia onde estava. Foi vagueando ao acaso, por entre prédios arruinados, até um jardim onde meia dúzia de árvores erguiam os ramos para o céu, como fantasmas reformados. Doía-lhe a cabeça e tinha a barriga a dar horas. Sentou-se num banco, pousou a mochila ao lado. Não havia por ali vivalma. Mas no banco em frente estava uma pasta de crocodilo.
Sempre fora curioso. Deu dois passos, carregou no fecho dourado e que viu ele?
Milhares e milhares de notas de dez mil. Procurou um nome, uma morada.
Absolutamente nada.
Olhou mais uma vez em volta. Ninguém. Então atirou fora com cadernos e livros e atulhou a mochila com aquela inesperada fortuna.
Não sabia quanto dinheiro tinha. Mas era milionário pela certa.
A cabeça quase lhe andava à roda de fome e entusiasmo. Podia comprar uma quinta, um carro, um cavalo, tudo o que desejasse. Só não podia livrar-se da matemática [...]
Quando chegou a casa, a mãe choramingava e o pai afivelara cara de caso.
[...]
João ria-se por dentro enquanto ouvia os ralhetes e ia quase soltando uma gargalhada ao anunciarem-lhe que lhe cortavam a semanada.
– Pobres pelintras… para que queria eu a esmola deles? – pensou, mas disse
apenas – Pronto. Estou aqui de novo. Posso jantar?
O pai levantou-se numa fúria.
– Pensas que a tua mãe é empregada de restaurante? Aqui as refeições são a horas certas. Passa das nove, ficas sem comer.
Encolhendo os ombros, João foi para o quarto e ligou a televisão portátil. Um sábio com barbas brancas apresentava a sua invenção fantástica: um robô que em nada se distinguia de um ser humano e era dotado de extraordinárias capacidades.
– Este robô fala, come, escreve. Tem a força de um touro e é capaz dos mais complicados cálculos mentais – assegurava o locutor.
João saltou na cadeira. Tivera uma ideia, uma ideia tão luminosa que não dormiu toda a noite.

Luísa Ducla Soares, O Rapaz e o Robô,
Lisboa, Ed. Terramar, 1995 (texto com supressões)

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A balada das vinte meninas friorentas

Vinte meninas, não mais,
Eu via ali no beiral:
Tinham cabecinha preta
E branquinho o avental.

Vinte meninas, não mais,
Eu via naquele muro:
Tinham cabecinha preta
Vestidinho azul-escuro.

As minhas vinte meninas,
Capinhas dizendo adeus,
Chegaram na Primavera
E acenaram lá dos céus.

As minhas vinte meninas,
Dormiam quentes num ninho
Feito de amor e de terra,
Feito de lama e carinho.

As minhas vinte meninas,
Para o almoço e o jantar
Tinham coisas pequeninas,
Que apanhavam pelo ar.

Já passou a Primavera
Suas horas pequeninas:
E houve um milagre nos ninhos.
Pois foram mães, as meninas.

Eram ovos redondinhos
Que apetecia beijar:
Ovos que continham vidas
E asinhas para voar.

Já não são vinte meninas
Que a luz do Sol acalenta.
São muitas mais! Muitas mais!
Não são vinte, são oitenta!

Depois oitenta meninas
Eu via ali no beiral:
Tinham cabecinha preta
E branquinho o avental.

Mas as oitenta meninas,
Capinhas dizendo adeus,
Em certo dia de Outono
Perderam-se pelo céu.


Matilde Rosa Araújo