quarta-feira, 19 de maio de 2010

A menina perdida


Era uma vez uma menina do Norte, de um desses países onde há neve, durante grande parte do ano, e enormes florestas habitadas por lobos. A menina, embora boa, era um tanto irreflectida e desobediente.
Uma tarde, saiu de casa sem dizer nada aos pais, entrou na floresta e lá foi correndo, pulando e fazendo lindas bolas de neve que atirava ao ar, rindo muito, porque era uma rapariguinha muito alegre.

Quando a noite, de súbito, caiu com um negro manto, sem lua nem estrelas, a menina, muito assustada, chorosa e cheia de frio, sentou-se encostada ao tronco de uma árvore.

Enquanto choramingava baixinho, porque a própria voz lhe metia medo, foi-se habituando à escuridão e já era capaz de ver as árvores em redor e o chão onde, aqui e além, havia brancos estilhaços da última neve que caíra. O silêncio era tão completo que ela ouviu, a certa altura, uns passinhos de lã leves e prudentes. Aproximavam-se, paravam hesitantes, vinham de novo. Apavorada, quis gritar, mas nem a voz encontrou por mais que a procurasse. Era decerto um lobo! Fugir não lhe serviria de nada e, mesmo que quisesse fugir, seria incapaz de se mover. O terror impedia-a de mexer um só dedo.

Afinal tratava-se de um cão, embora grande e esquisito, diferente de todos os cães que ela conhecia, mas sem nada de perigoso. E o coração da menina voltou a bater, compassado, como todos os corações.

O animal aproximou-se, farejou-a com ar interessado e olhou-a fixamente. A menina fez-lhe uma festa na cabeça e, contente com a companhia, daí a pouco estava a dormir.

Logo que a aurora se mostrou lá no alto, o animal foi-se embora. Mexeu-se, porém, com grande cuidado para não acordar a menina. Esta dormia encolhida quando os homens chegaram. Eram homens que tinham levado a noite toda à procura dela e já a consideravam perdida. O pai aproximou-se e a menina abriu os olhos, rindo alegremente, logo ali contou a sua aventura. Só tinha pena de o seu novo amigo se ter ido embora.

– Era muito grande – explicou – nunca vi um cão daquele tamanho.

Ao mesmo tempo, na sua toca da floresta, lá muito para diante, a loba explicava aos lobinhos, inquietos com a sua demora, numa linguagem que as pessoas não percebem, que chegara tarde, por causa de um animalzinho pequeno que se havia perdido dos pais e estava a chorar e a morrer de frio encostado a uma árvore. Devia ser um animalzinho importante, porque os homens já andavam à procura dele. E aproveitou, como boa mãe, para lembrar uma vez mais aos lobinhos, que não se perdessem na floresta, porque às vezes apareciam lá os terríveis homens-caçadores, inimigos dos lobos.

Naquela noite, porém, a loba e a menina não se tinham reconhecido e não houvera, por isso, nem medo nem ódio.

Maria Judite de Carvalho