A Carriça – uma avezinha do bosque – estava muito feliz, no seu ninho, construído por ela num dos ramos mais altos de um carvalho. Sentia-se assim tão feliz porque lhe tinha acabado de nascer uma grande ninhada de filhinhos. Cantava, cantava, para eles, a fim de os adormecer, como qualquer mãe carinhosa.
Enquanto ela estava assim, neste enlevo, passou por ali uma Raposa gulosa que imediatamente sonhou com um bom almoço. Muito matreira dirigiu-se à Carriça, nestes termos:
- Olá, comadre Carriça!
- Estás muito contente, hoje!
- Pudera! Não hei-de estar? Tenho aqui os meus filhinhos junto de mim e canto para os adormecer.
- Aí, é? Então, atira-me para cá um! – respondeu a raposa.
- Atirar um dos meus filhinhos? Nem penses nisso! Tanto que eu gosto deles!!!
- Olha que se não me atiras um, cá para baixo, o meu rabo rabazolão deita o teu carvalho ao chão!!!
A pobre mãe, receando um mal maior, atirou, com grande desgosto do seu coração, um dos carricinhos.
A Raposa imediatamente o engoliu e partiu, nada satisfeita, para outro lugar.
No dia seguinte, à mesma hora, voltou a passar para junto da grande árvore onde se encontrava o ninho da Carriça. A pobre avezinha estava da mesma maneira, a cantar para os filhinhos que ainda tinha.
De novo, a Raposa meteu conversa com a Carriça:
-Então comadre Carriça, continuas contente!!! ...
- Contente?! – respondeu-lhe a Carriça. Não sejas má! Canto, mas estou triste e tu bem sabes porquê!!!
- Ora, ora … Atira-me para cá outro! …
- Outro??? … - respondeu-lhe a Carriça toda indignada.
- Isso é que eu não faço! Vai-te embora, malvada! Não tens coração!
- Olha que o meu rabo rabazolão deita o teu carvalho ao chão!!! – repetiu a raposa para meter medo à Carriça.
Esta coitadinha, mais uma vez pensou que se o carvalho caísse perderia os filhinhos! Então, chorando, atirou-lhe mais um dos carricinhos.
A Raposa, depois de o engolir, desatou a correr e desapareceu por entre as árvores do bosque.
A Carriça ficou a soluçando, soluçando…
Mais tarde, passou por ali o Mocho Sábio que é muito amigo de todas as aves. Ouvindo o choro da Carriça, perguntou-lhe o que se passava. Esta, pobrezinha, explicou-lhe tudo o que a Raposa lhe dissera e como já tinha perdido dois dos seus filhinhos.
O Mocho , então, respondeu à Carriça:
- O quê? E tu acreditaste que a Raposa seria capaz de deitar o carvalho abaixo?!
Ela só diz mentiras! Não tem força para isso!
Se ela voltar a passar por cá e te pedir outro dos teus filhinhos, responde-lhe que experimente a ver se é capaz de deixar cair uma árvore tão alta e forte. Está bem? Faz como te digo.
Assim foi. A Carriça, cheia de coragem, esperou que a raposa voltasse!
Mal ela se aproximou, pensando que teria outro bom almoço, já a Carriça estava preparada para lhe responder.
- Que tens hoje, Carriça, que não cantas?! – perguntou a Raposa com voz matreira.
- Não, não canto! – respondeu a avezinha com voz forte.
- Aí, não?! Então se não cantas atira-me cá para baixo um dos teus bebés!
-Isso é que tudo querias, mas não consegues! – respondeu a Carriça bem do alto da árvore!
- Olha que o meu rabo rabazolão deita o teu carvalho ao chão!!! – respondeu de novo a raposa.
-Então experimenta! Vamos ver se és capaz! - disse o Carriça.
Nesse momento, a Raposa compreendeu que ia ficar mal colocada e, então, disse:
- Estás hoje muito sabida!!! Quem te ensinou isso?!
A Carriça com coragem retorquiu:
- Foi o Mocho Sábio!
- E onde está ele? – perguntou a Raposa.
- Olha, está lá ao fundo em cima da rocha grande!
A Raposa meteu o rabinho entre as pernas e correndo disse " por aí me sigo ".
O Mocho estava a dormir, muito refastelado, em cima da pedra.
A Raposa, sem fazer ruído, abriu a boca e, de um trago, comeu-o, sem o mastigar, sequer.
Mas, como o Mocho sabia muito e era inteligente, dentro do estômago da raposa pôs-se a pensar na forma como haveria de sair de dentro do bicho. Tinha que ser mais esperto que a Raposa!
E foi!
Começou a dizer-lhe:
- Ó Raposa, tu de facto, fizeste uma coisa muito importante! Foste capaz de comer o Mocho Sábio! Todas os bichos e todas as pessoas deveriam saber isso!!! Olha grita bem alto: " Mocho comi! " – de maneira que se oiça lá na aldeia!
A raposa que era vaidosa, fez como o Mocho lhe disse, abriu a boca e gritou:
Mo…o…o…cho comi…i…!
A ave, aproveitando o momento em que a Raposa tinha a boca aberta, saiu-lhe rapidamente da goela, gritando:
- Outro, mas não já a mim!