Foram dias de muito chuva os que depois vieram. Olhávamos através dos vidros das janelas para aquele céu fechado sobre as nossas cabeças, e contávamos as minúsculas gotas de água que escorregavam e se transformavam em gotas grandes, gordas, que faziam pequenos ribeiros nos parapeitos.
E porque chovia, as pessoas tinham um olhar diferente, e quando se cruzavam umas com as outras sorriam discretamente e murmuravam «que tempo este, santo Deus», ao que geralmente respondiam «nem parece Verão!»
E porque chovia, a Irene fechava com muito cuidado as janelas dos nossos quartos, e à noite eles tinham um leve cheiro a bafio, e uma humidade morna amaciava as paredes.
E porque chovia, o Manuel do Canto não tinha mãos a medir, e todos se lembravam de telefonar a amigos, a familiares, e quando as chamadas demoravam todos se queixavam, todos andavam para cá e para lá no grande corredor à espera da sua vez, até que o Manuel do Canto levava as mãos à cabeça e murmurava com os botões da farda: «Este PBX ainda rebenta um dia destes!»
E porque chovia, a passadeira da entrada tinha manchas de água que escorria dos chapéus-de-chuva de quem entrava a correr, vindo dos tratamentos.
E porque chovia, a sala grande enchia-se de senhoras que teciam intermináveis toalhas de croché em complicados desenhos de abertos e fechados, ou batiam as agulhas de tricot uma na outra em camisolas para o Inverno que não tardava.
E porque chovia, as senhoras diziam palavras atrás de palavras, e o tempo escorria gorduroso pelo meio delas, e falavam de fios de prata e de fios de ouro, e do muito dinheiro que iam gastar no hotel, ou então em doenças, ou em pessoas que tinham morrido, «e que impressão me fez olhar para aquele sofá onde ela se costumava sentar».
E porque chovia, os homens lançavam cartas de jogar em cima da mesa, coberta de flanela verde e com pequenos cinzeiros nos quatro cantos, que o vício de jogar outros vícios consigo trazia.
E porque chovia, o Sr. Filipinho esfregava mais as mãos quando passava por nós, e a D. Adelaide parecia mais curvada sobre a bengala.
E porque chovia, as pessoas tinham um olhar diferente, e quando se cruzavam umas com as outras sorriam discretamente e murmuravam «que tempo este, santo Deus», ao que geralmente respondiam «nem parece Verão!»
E porque chovia, a Irene fechava com muito cuidado as janelas dos nossos quartos, e à noite eles tinham um leve cheiro a bafio, e uma humidade morna amaciava as paredes.
E porque chovia, o Manuel do Canto não tinha mãos a medir, e todos se lembravam de telefonar a amigos, a familiares, e quando as chamadas demoravam todos se queixavam, todos andavam para cá e para lá no grande corredor à espera da sua vez, até que o Manuel do Canto levava as mãos à cabeça e murmurava com os botões da farda: «Este PBX ainda rebenta um dia destes!»
E porque chovia, a passadeira da entrada tinha manchas de água que escorria dos chapéus-de-chuva de quem entrava a correr, vindo dos tratamentos.
E porque chovia, a sala grande enchia-se de senhoras que teciam intermináveis toalhas de croché em complicados desenhos de abertos e fechados, ou batiam as agulhas de tricot uma na outra em camisolas para o Inverno que não tardava.
E porque chovia, as senhoras diziam palavras atrás de palavras, e o tempo escorria gorduroso pelo meio delas, e falavam de fios de prata e de fios de ouro, e do muito dinheiro que iam gastar no hotel, ou então em doenças, ou em pessoas que tinham morrido, «e que impressão me fez olhar para aquele sofá onde ela se costumava sentar».
E porque chovia, os homens lançavam cartas de jogar em cima da mesa, coberta de flanela verde e com pequenos cinzeiros nos quatro cantos, que o vício de jogar outros vícios consigo trazia.
E porque chovia, o Sr. Filipinho esfregava mais as mãos quando passava por nós, e a D. Adelaide parecia mais curvada sobre a bengala.
Alice Vieira, Águas de Verão, Caminho
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