terça-feira, 8 de abril de 2008

Teófilo Braga

Joaquim Teófilo Fernandes Braga (1843-1924) nasceu em Ponta Delgada e faleceu em Lisboa.Natural dos Açores, porque nascido na cidade de Ponta Delgada em 24 de Fevereiro de 1843, Joaquim Teófilo Braga foi o sétimo filho de um casamento celebrado entre Joaquim Manuel Fernandes Braga, um antigo oficial miguelista, e Maria José da Câmara Albuquerque, filha de um descendente dos donatários da ilha de Santa Maria.A infância do pequeno Joaquim ressentiu-se da irreparável perda da sua mãe, falecida prematuramente, e do jugo que sobre ele exerceu, com rudeza e severidade, uma inclemente madrasta, Ricarda Marfim Pereira de seu nome. Os estudos primários e secundários foram realizados na capital da ilha micaelense e revelaram desde cedo a tenacidade de um jovem ambicioso e lutador. Teófilo Braga foi disciplinarmente punido no Liceu de Ponta Delgada, onde seu pai exercia actividades lectivas, por ter ridicularizado um professor que lhe contestava a pretensão de um dia ser doutor, arguindo que não via moita da qual pudesse sair tal coelho; respondeu o discípulo, em jeito escarninho, declarando que o dito professor não tinha faro...
Acabados os estudos liceais, passou a impor-se o problema de dar rumo à vida. Os meios económicos familiares eram escassos e a tradição dos ilhéus desamparados era a de procurarem melhores condições de sobrevivência através da emigração, sobretudo dirigida para as Américas. Por isso, Teófilo Braga começou por informar o pai do seu desejo de abandonar S. Miguel e de ir exercer em solo americano uma actividade profissional, talvez de tipógrafo, talvez de comerciante, talvez de assalariado numa qualquer actividade remunerada. O pai colocou-lhe a hipótese, mais aliciante, de ir estudar para Coimbra, embora o tivesse então advertido da fraca mesada que lhe poderia dispensar.Cedo revela queda para a literatura. Em 1861 vai para Coimbra, onde frequenta o curso de Direito.

Terminado o curso de Direito, vai viver para o Porto e em 1872 fixa-se em Lisboa, passando a leccionar literatura no Curso Superior de Letras. Republicano militante, em 1910 é convidado para presidente do Governo Provisório, tendo sido mais tarde eleito Presidente da República (1915). Dedicou-se à história da literatura portuguesa e aos estudos etnográficos.
Além de obras de carácter histórico-literário, escreveu também poesia, ficção, etnografia e filosofia.


Obras poéticas: Visão dos Tempos ((1864), Tempestades Sonoras (1864), Torrentes (1869), Miragens Seculares (1884). Ficção: Contos Fantásticos (1865), Viriato (1904). Ensaio: As Teorias Literárias – Relance sobre o Estado Actual da Literatura Portuguesa (1865), História da Poesia Moderna em Portugal (1869), História da Literatura Portuguesa (Introdução) (1870), História do Teatro Português (4 vols., 1870-1871), Teoria da História da Literatura Portuguesa (1872), Manual da História da Literatura Portuguesa (1875), Bocage, sua Vida e Época (1877), Parnaso Português Moderno (1877), Traços gerais da Filosofia Positiva (1877), História do Romantismo em Portugal (1880), Sistema de Sociologia (1884), Camões e o Sentimento Nacional (1891), História da Universidade de Coimbra (4 vols., 1891-1902), História da Literatura Portuguesa (4 vols., 1909-1918).

Antologias: Cancioneiro Popular (1867), Contos Tradicionais do Povo Portugês (1883).

segunda-feira, 7 de abril de 2008

O APRENDIZ DE MAGO

Um homem de grandes artes tinha na sua companhia um sobrinho, que lhe guardava a casa quando precisava sair. De uma vez deu-lhe duas chaves, e disse:
- Estas chaves são daquelas duas portas; não mas abras por cousa nenhuma do mundo, senão morres.
O rapaz, assim que se viu só, não se lembrou mais da ameaça e abriu uma das portas. Apenas viu um campo escuro e um lobo que vinha correndo para arremeter contra ele. Fechou a porta a toda a pressa passado de medo. Daí a pouco chegou o Mago:
- Desgraçado! Para que me abriste aquela porta, tendo-te avisado que perderias a vida?
O rapaz tais choros fez que o Mago lhe perdoou. De outra vez saiu o tio e fez-lhe a mesma recomendação. Não ia muito longe, quando o sobrinho deu volta à chave da outra porta, e apenas viu uma campina com um cavalo branco a pastar. Nisto lembrou-se da ameaça do tio e já o sentindo subir pela escada, começou a gritar:
- Ai que agora é que estou perdido!
O cavalo branco falou-lhe:
- Apanha desse chão um ramo, uma pedra e um punhado de areia, e monta já quanto antes em mim.
Palavras não eram ditas, o Mago abriu a porta da casa: o rapaz salta para cima do cavalo branco e grita:
- Foge! Que aí chega o meu tio para me matar.
O cavalo branco correu pelos ares fora; mas indo lá muito longe, o rapaz torna a gritar:
- Corre! Que meu tio já me apanha para me matar.
O cavalo branco correu mais, e quando o Mago estava quase a apanhá-los, disse para o rapaz:
- Deita fora o ramo.
Fez-se logo ali uma floresta muito fechada, e, enquanto o Mago abria caminho por ela, puseram-se muito longe. Ainda o rapaz tornou outra vez a gritar:
- Corre! Que já aí está meu tio, que me vai matar.
Disse o cavalo branco:
- Bota fora a pedra.
Logo ali se levantou uma grande serra cheia de penedias, que o Mago teve de subir, enquanto eles avançavam caminho. Mais adiante, grita o rapaz:
- Corre, que meu tio agarra-nos.
-Pois atira ao vento o punhado de areia, disse-lhe o cavalo branco.
Apareceu logo ali um mar sem fim, que o Mago não pôde atravessar. Foram dar a uma terra onde se estavam fazendo muitos prantos. O cavalo branco ali largou o rapaz e disse-lhe que quando se visse em grandes trabalhos por ele chamasse mas que nunca dissesse como viera ter ali. O rapaz foi andando e perguntou por quem eram aqueles grandes prantos.
- É porque a filha do rei foi roubada por um gigante que vive em uma ilha aonde ninguém pode chegar.
-Pois eu sou capaz de ir lá.
Foram dizê-lo ao rei; o rei obrigou-o com pena de morte a cumprir o que dissera. O rapaz valeu-se do cavalo branco, e conseguiu ir à ilha trazendo de lá a princesa, porque apanhara o gigante dormindo.
A princesa assim que chegou ao palácio não parava de chorar. Perguntou-lhe o rei:
- Porque choras tanto, minha filha?
- Choro porque perdi o meu anel que me tinha dado a fada minha madrinha e, enquanto o não tornar a achar, estou sujeita a ser roubada outra vez ou ficar para sempre encantada.
O rei mandou lançar o pregão em como dava a mão da princesa a quem achasse o anel que ela tinha perdido. O rapaz chamou o cavalo branco, que lhe trouxe do fundo do mar o anel, mas o rei não lhe queria já dar a mão da princesa; porém ela é que declarou que casaria com o jovem para que dissessem sempre: Palavra de rei não torna atrás.

Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português

domingo, 6 de abril de 2008

O CALDO DE PEDRA

Um frade andava ao peditório; chegou à porta de um lavrador, mas não lhe quiseram aí dar nada. O frade estava a cair com fome, e disse:
- Vou ver se faço um caldinho de pedra. E pegou numa pedra do chão, sacudiu-lhe a terra e pôs-se a olhar para ela para ver se era boa para fazer um caldo. A gente da casa pôs-se a rir do frade e daquela lembrança. Diz o frade:
- Então nunca comeram caldo de pedra? Só lhes digo que é uma coisa muito boa.
Responderam-lhe:
- Sempre queremos ver isso.
Foi o que o frade quis ouvir. Depois de ter lavado a pedra, disse:
- Se me emprestassem aí um pucarinho.
Deram-lhe uma panela de barro. Ele encheu-a de água e deitou-lhe a pedra dentro.
- Agora se me deixassem estar a panelinha aí ao pé das brasas.
Deixaram. Assim que a panela começou a chiar, disse ele:
- Com um bocadinho de unto é que o caldo ficava de primor.
Foram-lhe buscar um pedaço de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa pasmada para o que via. Diz o frade, provando o caldo:
- Está um bocadinho insosso; bem precisa de uma pedrinha de sal.
Também lhe deram o sal. Temperou, provou, e disse:
-Agora é que com uns olhinhos de couve ficava que os anjos o comeriam.
A dona da casa foi à horta e trouxe-lhe duas couves tenras. O frade limpou-as, e ripou-as com os dedos deitando as folhas na panela.
Quando os olhos já estavam aferventados disse o frade:
- Ai, um naquinho de chouriço é que lhe dava uma graça...
Trouxeram-lhe um pedaço de chouriço; ele botou-o à panela, e enquanto se cozia, tirou do alforge pão, e arranjou-se para comer com vagar. O caldo cheirava que era um regalo. Comeu e lambeu o beiço; depois de despejada a panela ficou a pedra no fundo; a gente da casa, que estava com os olhos nele, perguntou-lhe:
- Ó senhor frade, então a pedra?
Respondeu o frade:
- A pedra lavo-a e levo-a comigo para outra vez.
E assim comeu onde não lhe queriam dar nada.

Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português

sábado, 5 de abril de 2008

O SARGENTO QUE FOI AO INFERNO

Havia numa terra um sargento, que era muito bom rapaz; um rico mercador tomou-lhe amizade, arranjou-lhe a baixa e tomou-o para seu empregado. Como o mercador tinha filhas, o sargento apaixonou-se por uma delas: ora o mercador era muito desconfiado e nunca deixava sair as filhas de casa, mas pela grande conta em que tinha o rapaz ele mesmo lhe falou para se fazer o casamento. Tudo corria muito bem; vai, acontece ir uma peça muito linda no teatro, e como as filhas desejassem ver, pediram ao sargento, que só ele é que era capaz de apanhar licença do pai para as deixar ir ver. O mercador ficou carrancudo, mas deu licença, dizendo:
- Deixo ir as minhas filhas com o senhor, e é com a condição, que quando der a última badalada da meia-noite hão-de estar aqui à porta.
Disseram todos que sim, e partiram.
Quase perto da meia-noite, o rapaz disse para a sua noiva, que era bom retirarem-se para casa. Mais um bocadinho, mais um bocadinho; pede daqui, pede dali, o certo é que já tinha dado a meia-noite, eles ainda longe de casa.
Assim que o rapaz bateu à porta, abriu-se logo de repente, e o mercador começou a bradar:
-Foi assim que o senhor cumpriu as ordens que eu lhe dei? Pois trate já de arranjar as suas coisas que nem já esta noite me fica em casa.
- Oh senhor, então só por isto! E quando estava já para casar com sua filha!
O velho respondeu-lhe:
- Só tem um meio de poder casar com minha filha, e voltar para casa.
- Qual?
-Vá ao Inferno, e traga-me três anéis que o Diabo tem no corpo, dois debaixo dos braços, e outro num olho.
O rapaz achou aquilo impossível; mas que remédio teve senão pôr-se a caminho. Na primeira terra a que chegou, pregou um edital em que dizia: "Quem quiser alguma coisa para o Inferno, amanhã parte um mensageiro." Isto causou grande curiosidade, até que chegou aos ouvidos do rei, que mandou chamar o rapaz. Perguntou-lhe o rei:
- Como é que você vai ao Inferno?
- Real senhor, por ora ainda não sei; ando em procura dele, e irei lá, dê por onde der.
- Pois bem, disse o rei, quando encontrares o Diabo, pergunta-lhe se ele sabe de um anel de muito valor que eu perdi, do que ainda tenho grande desgosto.
Chegou o rapaz a outra terra e botou o mesmo anúncio. O rei também o mandou chamar:
- Tenho uma filha que padece uma doença muito grande, e ninguém lhe acerta com o mal. Já que vais ao Inferno quero que saibas por lá onde é que estará a cura.
O rapaz partiu sempre à procura do Inferno, e foi dar a uma encruzilhada em que estavam dois caminhos, um com pegadas de gente, e o outro com pegadas de ovelhas. Pensou, e por fim seguiu pelo caminho das pegadas de gente; ao meio dele encontrou um ermitão, de barbas brancas, que rezava em umas camândulas muito grandes, e lhe disse:
- Ainda bem que tomaste por este caminho, porque esse outro é o que vai para o Inferno.
- Oh, senhor! E eu há tanto tempo que ando à procura dele!
O rapaz contou-lhe todo o acontecido; o ermitão teve compaixão dele, e disse:
-Já que tens de ir ao Inferno, vai, mas sempre leva contigo estas contas, porque antes de lá chegar tens de passar um rio escuro, e há-de ser um pássaro que te há-de levar para o outro lado; e quando ele te quiser afundar no rio, joga-lhe as contas ao pescoço. Daqui em diante não sei mais o que te sucederá.
Assim aconteceu. Chegado ao Inferno o rapaz teve um grande medo, e viu para ali um forno vazio e escondeu-se dentro dele. Quando estava todo agachado, passou uma velha muito velha e viu-o.
- O menino aqui! Ora coitadinho, que é tão lindo; se o meu filho o visse matava-o, com certeza. O que veio cá fazer?
O rapaz contou tudo à mãe do Diabo; a velha teve pena dele, e disse-lhe:
- Olhe; pois deixe-se ficar aqui escondido, porque eu não sei quando o meu filho virá; ele está assistindo à morte do Padre Santo, que está nas agonias, e quer-lhe apanhar a alma. O rapaz pediu à velha se sabia do Diabo as perguntas de que trazia encomenda. Quando estavam nestas conversas chegou o Diabo bufando; a velha escondeu-o logo, e disse:
- Anda cá, filho, para descansares; deita-te aqui no meu colo.
O Diabo deitou-se e ficou logo a dormir. A velha foi muito devagarinho com as unhas e arrancou-lhe um anel que tinha debaixo do braço. O Diabo mexeu-se desesperado, gritando:
- Isto o que é?
-Ai, filho, fui eu que me deixei dormir, e dei uma pendedela em cima de ti. Estava a sonhar com aquele rei que perdeu o anel, e que nunca mais o tornou a achar.
- Pois é verdade esse sonho, respondeu o Diabo; está debaixo de uma laje ao pé do repuxo do jardim.
O Diabo tornou a ficar a dormir; a velha sorrateira arrancou-lhe o segundo anel. O Diabo tornou a acordar desesperado:
_ Tem paciência, filho; tornei-me a deixar dormir e a sonhar com a filha daquele rei que nenhum médico sabe curar.
- Também é verdade; a doença dela é o sapo-sapão, que está metido no enxergão.
Tornou o Diabo a dormir. Para arrancar o anel do olho é que foram os trabalhos.
A velha tirou-o com um espéculo, e o diabo com a dor e zangado com as pendedelas, saiu pela porta fora. O rapaz recebeu tudo da velha; voltou para o mundo, quando ela chamou o pássaro: "Menino, menino, menino." Foi dali entregar as contas ao ermitão. Depois passou pela terra do rei que tinha perdido o anel, que lhe deu muito dinheiro quando o tornou a achar debaixo da laje. Depois passou pela corte do rei que tinha a filha doente, disse onde estava o sapo-sapão. A princesa melhorou logo, e o rei pediu-lhe para que dissesse a paga que queria.
- Quero que Vossa Majestade me dê o seu poder por oito dias.
O rei mandou deitar um pregão para ele governar oito dias; o rapaz partiu logo para a terra do sogro, e deu ordem logo que lá chegou para o mercador dentro em meia hora lhe vir falar à sua presença. O mercador foi, mas quando chegou era já mais de uma hora. O rapaz disse:
- Podia-o mandar matar, por me ter desobedecido, em vir depois da meia hora.
- Oh senhor, não me demorei por minha vontade.
- Pois sim. Mas porque não soube em tempo desculpar aquele pobre sargento que pôs fora de sua casa?
O mercador conheceu então o antigo noivo de sua filha, que tinha sempre chorado, confessou o seu erro, e pediu-lhe de joelhos muitos perdões. O rapaz entregou-lhe os anéis do Diabo, e nesse mesmo dia casou com a sua namorada, por quem tinha metido um pé no Inferno.


Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português

quinta-feira, 3 de abril de 2008

D. Caio

Era um alfaiate muito poltrão, que estava trabalhando à porta da rua; como ele tinha medo de tudo, o seu gosto era fingir-se de valente. Vai de uma vez viu muitas moscas juntas e de uma pancada matou sete. Daí em diante não fazia senão gabar-se:
- Eu cá mato sete de uma vez!
Ora o rei andava muito aparvalhado, porque lhe tinha morrido na guerra o seu general Dom Caio, que era o maior valente que havia, e as tropas do inimigo já vinham contra ele, porque sabiam que não tinha quem mandasse a combatê-las. Os que ouviram o alfaiate andar a dizer por toda a parte: “Eu cá mato sete de uma vez!” foram logo metê-lo no bico do rei, que se lembrou de que quem era tão valente seria capaz de ocupar o posto de Dom Caio.
Veio o alfaiate à presença do rei que lhe perguntou:
- É verdade que matas sete de uma vez?
- Saberá Vossa Majestade que sim.
- Então nesse caso vais comandar as minhas tropas e atacar os inimigos que me estão cercando.
Mandou vir o fardamento de dom Caio e fê-lo vestir ao alfaiate, que era muito baixinho, e que ficou com o chapéu de bicos enterrado até às orelhas; depois disse que trouxessem o cavalo branco de Dom Caio para o alfaiate montar. Ajudaram-no a subir para o cavalo, e ele já estava a tremer como varas verdes; assim que o cavalo sentiu as esporas botou à desfilada, e o alfaiate a gritar:
- Eu caio, eu caio!
Todos os que o ouviam por onde passava diziam:
- Ele agora diz que é o Dom Caio; já temos homem.
O cavalo, que andava acostumado às escaramuças, correu para o sítio em que se combatia, e o alfaiate com medo de cair ia agarrado às crinas, a gritar como um desesperado:
- Eu caio, eu caio!
O inimigo, assim que viu o cavalo branco do general valente e ouviu o grito: “Eu caio, eu caio!”, conheceu o perigo em que estava, e disseram os soldados uns para os outros:
- Estamos perdidos, que lá vem o Dom Caio; lá vem o Dom Caio!
E botaram a fugir à debandada; os soldados do rei foram-lhes no encalço e mataram-nos, e o alfaiate ganhou assim a batalha só em agarrar-se ao pescoço do cavalo e em gritar: “Eu caio”.
O rei ficou muito contente com ele e, em paga da vitória, deu-lhe a princesa em casamento, e ninguém fazia senão louvar o sucessor de Dom Caio pela sua coragem.

Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, Dom Quixote

quarta-feira, 2 de abril de 2008

O SAL E A ÁGUA

Um rei tinha três filhas; perguntou a cada uma delas por sua vez, qual era a mais sua amiga. A mais velha respondeu:
- Quero mais a meu pai, do que à luz do Sol.
Respondeu a do meio:
- Gosto mais de meu pai do que de mim mesma.
A mais moça respondeu:
- Quero-lhe tanto, como a comida quer o sal.
O rei entendeu por isto que a filha mais nova o não amava tanto como as outras, e pô-la fora do palácio. Ela foi muito triste por esse mundo, e chegou ao palácio de um rei, e aí se ofereceu para ser cozinheira. Um dia veio à mesa um pastel muito bem feito, e o rei ao parti-lo achou dentro um anel muito pequeno, e de grande preço. Perguntou a todas as damas da corte de quem seria aquele anel. Todas quiseram ver se o anel lhes servia: foi passando, até que foi chamada a cozinheira, e só a ela é que o anel servia. O príncipe viu isto e ficou logo apaixonado por ela, pensando que era de família de nobreza.
Começou então a espreitá-la, porque ela só cozinhava às escondidas, e viu-a vestida com trajos de princesa. Foi chamar o rei seu pai e ambos viram o caso. O rei deu licença ao filho para casar com ela, mas a menina tirou por condição que queria cozinhar pela sua mão o jantar do dia da boda. Para as festas de noivado convidou-se o rei que tinha três filhas, e que pusera fora de casa a mais nova. A princesa cozinhou o jantar, mas nos manjares que haviam de ser postos ao rei seu pai não botou sal de propósito. Todos comiam com vontade, mas só o rei convidado é que não comia. Por fim perguntou-lhe o dono da casa, porque é que o rei não comia? Respondeu ele, não sabendo que assistia ao casamento da filha:
- É porque a comida não tem sal.
O pai do noivo fingiu-se raivoso, e mandou que a cozinheira viesse ali dizer porque é que não tinha botado sal na comida. Veio então a menina vestida de princesa, mas assim que o pai a viu, conheceu-a logo, e confessou ali a sua culpa, por não ter percebido quanto era amado por sua filha, que lhe tinha dito, que lhe queria tanto como a comida quer o sal, e que depois de sofrer tanto nunca se queixara da injustiça de seu pai.

Teófilo Braga,Contos Tradicionais do Povo Português

terça-feira, 1 de abril de 2008

Os alunos do Clube de Leitura recomendam...

Nós somos o João Duarte, o Luís Caetano e a Maria João e somos membros do Clube de Leitura. Na sessão de hoje, lemos as obras:


- "A noite dos animais inventados" de David Machado;


- "Tudo ao contrário!" de Luísa Ducla Soares;


- "Ler, ouvir e contar" de António Torrado.

No final da sessão, demos a nossa opinião sobre as três obras e, apesar de termos gostado de todas, recomendamos como leitura da semana "Tudo ao contrário!" de Luísa Ducla Soares.



Este livro tem quatro histórias "O homem alto, a mulher baixinha", "O rapaz magro, A rapariga gorda", "A rapariga limpa, o rapaz sujo" e "A menina branca, o rapaz preto"





Aqui fica a história que mais gostámos:

O homem alto, a mulher baixinha

Era uma vez um homem tão alto, tão alto, tão alto, que batia com a cabeça nas nuvens. Por isso ninguém sabia se ele usava chapéu.
Era uma vez uma mulher tão baixa, tão baixa, tão baixa, que usava os malmequeres como chapéus-de-sol.
O homem alto tinha um animal de estimação. Que seria? Uma girafa!
A mulher baixa também tinha o seu animal de estimação. Adivinham qual? Uma formiga!
O homem alto via-se aflito para arranjar um fato. Gastava 100 metros de tecido.
Além disso, nem todos os alfaiates gostavam de tirar medidas e de provar, pendurados num guindaste.
A mulher baixinha não tinha problemas para vestir bem por pouco dinheiro. Comprava roupas feitas nas lojas de bonecas.
O homem alto tinha de entrar de rastos no túnel onde dormia.
Nunca teria dinheiro para comprar um arranha-céus onde coubesse, ao menos sentado.
A mulher baixinha tinha de usar um escadote para subir o único degrau do rés-do-chão em que morava.
O homem alto era um grande polícia sinaleiro. Mas só de aviões.
A mulher baixinha era uma grande médica. Mas só tratava doenças dos pés.
Um dia a mulher baixinha foi chamada para ver uns pés que pertenciam a um corpo que nunca mais acabava.
O doente ficou espantado com aquela médica, que mal chegava à altura de um sapato. Pediu-lhes licença para a erguer no ar.
Então, frente a frente, sorriram ao repararem como eram tão parecidos - tinham ambos cabelos ruivos, olhos verdes, três sardas na ponta do nariz.