quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O LOBO, A CABRA E OS SETE CABRITOS

Numa bela manhã, a comadre Cabra tinha-se enfeitado com os seus mais ricos adereços: uma saia vermelha com pintinhas brancas, uma blusa azul também salpicada de branco e um avental muito asseado.Pegou no cesto das compras e, virando-se para os 7 cabritinhos, recomendou:
- Escutem bem a vossa mãe. Hoje é o dia da feira na vila. Para que possamos saborear um bom chocolate e belas tortas de fruta, preciso de dar uma saltada à Mercearia Faz-Tudo e comprar géneros apropriados. Também aproveitarei para fazer uma visita à tia Chiba e, por isso, é possível que só possa regressar muito tarde a casa. Portanto escutem com atenção! Abram-me bem os olhos e arrebitem as vossas orelhas enquanto estiver ausente. Ouçam agora: Mestre Lobo devora os cabritos que não andem com muita cautela e, por muito que coma e devore, nunca tem a goela satisfeita! Receio bem que tente chamar-vos lá para fora, para cravar os dentes afiados em vocês. Também não abram a porta a ninguém, mal eu tenha saído de casa. A ninguém, ouviram bem?
- Sim, mamã!-disseram os sete cabritinhos ao mesmo tempo.
Então um deles, mais atinado, perguntou:
- Mas quando regressar como é que poderemos ter a certeza de que é, de facto, a mãezinha?
A mãe Cabra sossegou-os:
- Quando regressar da vila, passarei a minha pata branca pela fresta do postigo da porta e assim podereis certificar-vos de que sou eu.
E a comadre Cabra lá foi às suas compras.
Mestre Lobo, que passava nas proximidades, notou a saída da comadre Cabra, e pensou:
- Desta vez, meus cabritinhos, é que não me escapais.
Com medo de assustar os cabritinhos se lhes uivasse na sua voz forte, pensou na melhor forma de os iludir. Porque não tomar umas colheres de açúcar, como fazem os cantores quando estão roucos? Resolveu então ir pedir um conselho à Mercearia Faz-Tudo. É claro que o merceeiro, ao ver um lobo tão corpulento, ficou aterrado e boquiaberto, enquanto o marçano tratou logo de se esconder atrás do balcão. Mestre Lobo pediu polidamente se lhe podiam vender uns ovos para uma gemada. Para se ver livre de cliente tão perigoso, o merceeiro ofereceu-lhe meia dúzia de ovos e um pouco de açúcar. O lobo devorou a gemada de um trago e tratou de regressar.
Mal chegou junto da casa dos cabritinhos, escondeu-se atrás dos arbustos, aproximou-se cautelosamente da porta e, com a sua grande pata, bateu três vezes:
Truz... Truz... Truz!
Dissimulando a sua voz forte, suavizada pela gemada, latiu:
- Cabritinhos, abri a porta à vossa mãesinha, que já voltou da vila. Depressa, pois o meu cesto está cheio de pastéis de massa folhada, bolos e doces de creme. Está tão pesado, que até me custa a aguentar com ele às costas. Então... abri!
Os cabritos ficaram admirados por a mãe já estar de volta, quando os tinha avisado de que se demorava, e levaram certo tempo a responder. Então, mestre Lobo voltou a repetir, impaciente, com mais rudeza:
- Então, abram depressa! Abram a porta... mas abram!
Ouvindo esta voz que eles não conheciam, o mais ajuizado dos cabritos sempre arriscou finalmente:
- Decerto, vamos abrir... Mas, para o poder fazer, queremos, primeiramente, a tua patinha ver.
Mestre Lobo, remirando as suas escuras patas, compreendeu ser inútil insistir. E retirou-se todo triste. Mas durante o caminho pensou:
- Tenho de descobrir uma maneira de entrar. Ora vejamos... que hei-de fazer? ...
Ah! Eis a solução: vou visitar o mestre padeiro e untar as minhas patas com a massa do pão, de bela farinha branca. As patas ficarão claras e, sem receio, já poderei mostrá-las aos cabritinhos.
E o padeiro, que apanhou um grande susto ao vê-lo, untou-lhe a pata como ele pediu.
Chegado à soleira da porta dos cabritinhos voltou a bater.
Truz... Truz... Truz!
- Abri, meus cabritinhos queridos. É a vossa mãesinha que acaba de voltar da vila. Abri depressa, abri!
- Decerto vamos abrir... Mas queremos primeiro a tua patinha ver.E o lobo tratou logo de passar a sua pata pelo postigo. Os cabritinhos, julgando ser de facto a sua mãe que chegava, abriram o ferrolho. O lobo empertigou-se todo e cresceu-lhe água na boca ao avistar os cabritinhos. Estes, ao verem uma grande língua vermelha sair do focinho do lobo, logo começaram a balir, atropelando-se uns aos outros, pernas para que vos quero, na ânsia de se salvarem. Procuraram esconder-se debaixo das camas, armários, mesas e outros móveis. Mas o malvado lobo encontrou-os e, duma assentada, devorou-os de uma só vez, à excepção do mais novinho que se tinha escondido na caixa de madeira do relógio alto.
Depois disto, mestre Lobo tratou de dormir uma sesta sob a macieira grande. O cabritinho mais novo tremia de medo, enquanto aguardava o regresso de sua mãe. Logo que mãe Cabra entrou finalmente em casa, este, lavado em lágrimas, contou o que tinha acontecido aos irmãos. Ao ouvir o triste relato da desgraça que acontecera, a comadre Cabra ia-se desfazendo em pranto de aflição e desespero: era necessário salvar o mais depressa possível os seus queridos cabritinhos. Pegou na grande tesoura de poda do jardineiro e aproximou-se resolutamente de mestre Lobo que ressonava a plenos pulmões, à sombra duma grande macieira. Dum golpe rápido rasgou o ventre do lobo, donde saíram saltitando, um a um, os seus pobres cabritinhos. Ainda estavam muito assustados mas, como o lobo os tinha engolido sem mastigar, só tinham sofrido um susto. O mais depressa que puderam ajudaram a mãe Cabra a encher de grandes pedras o ventre enorme do lobo, e depois trataram de correr para casa.
Logo que mestre Lobo acordou, sentiu-se pesado e com uma sede horrível. Lá se arrastou até ao poço do jardim para beber mais à vontade. Aproximou-se da borda e debruçou-se para meter a língua nessa água fresquinha. Mas eis que, no ventre, o peso das pedras lhe fez perder o equilíbrio e zás... caiu no poço. Arrastado para o fundo, logo morreu afogado, vítima da sua gulosice.
A comadre cabra e os seus cabritinhos começaram a dançar em redor do poço. Os vizinhos vieram felicitá-los e toda a gente estava muito satisfeita por se verem livres do lobo feroz.


Contos de Grimm

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O Senhor Milhões

O Senhor Milhões herdara seu nome e seus milhões de outro Senhor Milhões, filho de um Senhor Milhões, neto de outro Milhões.
Tinha dinheiro como milho. Cofres de moedas de ouro, baús de moedas de prata, caixotes de moedas de cobre.
Os seus lençóis eram feitos de notas de conto, muito bem cosidas umas às outras; seus guardanapos eram notas de quinhentos; e em vez de papel da retrete usava notas de cem.
Redondo como uma moeda, o Senhor Milhões tinha umas perninhas curtas, que nunca andaram mais do que o espaço que ia da cama ao salão, da casa de jantar à entrada do jardim. Tinha uns bracitos delgados, que nunca haviam pegado em nada mais pesado do que um talher de prata.
A casa era forrada de espelhos. Neles se via, belo, reluzente, de careca muito polida como uma bola envernizada, óculos de aros de ouro, dentes de ouro, alfinete de ouro na gravata, botões de punho de ouro e moedas de libras de cavalinho a fazer de botões. Da algibeira pendia-lhe um relógio de ouro, a que nunca dava corda, pois as horas para si eram todas iguais, e na ponta de uma corrente enorme tilintava um molho imenso de chaves de todos os tamanhos e formatos.
Possuía o Senhor Milhões um exército de criados: porteiros, motoristas, engraxadores, cozinheiros, limpadores de pó, enxotadores de moscas, jardineiros, carregadores, alfaiates, cultivadores do campo. Não faltavam sequer os capatazes, de chicote na mão, para os obrigar a trabalhar.
Em redor das suas terras, cercando as suas gentes, erguiam-se muros enormes, que ninguém podia transpor.Mas certo dia, velho de centenas de anos, um dos portões enferrujou de todo. Foi preciso tirá-lo para o substituir.Então os homens de fora espreitaram as imensas quintas, as searas curvadas ao peso do trigo, os trabalhadores curvados ao peso do trabalho desmedido. Viram as flores vermelhas e as caras pálidas de abatimento. O palácio de mármore e as cabanas de palha. O Senhor Milhões, à janela, coberto de ouro e os seus homens esfarrapados e descalços.
Também os criados do grande ricaço se espantavam com o mundo que lhes foi dado a ver: as casas com seus quintais, as caras com seus sorrisos, as lojas com suas compras e o dinheiro nas mãos daqueles que trabalhavam.
De repente, como se uma força os puxasse, os criados do Senhor Milhões começaram a sair para a rua. Primeiro, a medo, um a um, hesitantes; depois, aos pares, aos grupos, aos bandos, em aluviões. Largavam enxadas, mata-moscas, tesouras, martelos; abandonavam rebanhos, manadas de touros, coelheiras e capoeiras.Cantavam e riam.
Habituado ao silêncio que nenhuma voz podia cortar, o Senhor Milhões surgiu à varanda. Atarantado, dava ordens e contra-ordens. Ninguém o ouvia.Mandava chicotear, ordenava que prendessem.Ninguém o ouvia.
Quando a noite desceu, estava sozinho com seus caixotes de moedas de cobre, baús de moedas de prata, cofres de moedas de ouro. Sentou-se à mesa - ninguém o serviu. Deitou-se - ninguém lhe apagou a luz.Enrolou-se nos lençóis de notas de mil, assoou-se a uma nota de cinquenta e toda a noite esperou que os criados voltassem.Mas quando o dia raiou, nem um passo rangia nas salas, nem um vulto ao longe se vislumbrava.Então o Senhor Milhões, redondo, redondo como uma moeda, luzente, luzente como o seu ouro, sentou-se na poltrona dourada, cobriu-se de notas e deixou-se morrer de fome.

Luísa Ducla Soares

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A Letralândia


A nossa amiguinha Raluca Bótis do 6º B escreveu este texto, que eu achei muito imaginativo e, depois de lhe pedir autorização, resolvi partilhá-lho convosco.

Uma vez, em Letralândia, construiu-se um letrapalácio, feito de letras é claro! O telhado do palácio era feito com a forma de um “V” virado ao contrário. Os muros eram feitos de “Us”, as portas de “Ds” e as janelas de “Cs”.
A rainha que o governava chamava-se Erarrira. Erarrira era muito bonita e tinha o cabelo ondulado como as curvas do “S”.
A vida no palácio e no reino corria muito bem até ao dia em que o reino vizinho decidiu roubar as letras do palácio para fazer um texto. Nunca se percebeu muito bem para que é que eles queriam fazer um texto se eles eram números e só faziam contas!!!! O reino vizinho era o reino Numeral e era governado pelo rei Dez décimas. Quando o rei Dez décimas invadiu, com o seu exército de números decimais, o reino da Letralândia tudo ficou em crise e resultou uma grande confusão. As letras trocaram-se, por exemplo o “R” do rato transformou-se em “G” e virou o seu pior inimigo- o gato. O “G” do senhor elegante transformou-se em “F” e ficou um elefante. Enfim… ficou tudo trocado.
Mas, certo dia, apareceu um forte senhor chamado Acentuado que foi ajudar o reino da Letralândia. Reuniu alguns indivíduos do reino fortaleceu-os com os seus acentos e comandando-as conseguiu vencer o reino Numeral e o seu terrível rei Dez Décimas.
O reino Numeral nunca mais se atreveu a invadir o reino da Letralândia reinado pela sua gentil rainha Erarrira. O melhor é que as palavras começaram a ter acentos, porque a rainha Erarrira casou com o senhor Acentuado e formaram palavras novas.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O Meio Galo

A galinha pedrês da Senhora Inês tinha doze ovos para chocar.
O gato maltês da Senhora Inês tinha doze ovos para cobiçar.
Enquanto a Senhora Inês punha o milho na tigela, enquanto saía do ninho a galinha pedrês, veio o gato maltês e cravou a garra no ovo mais graúdo. Espetou as unhas, fincou os dentes, mas o ovo não havia maneira de partir. Então, por um buraquinho, pôs-se o gato a chupar, suga que suga, como quem bebe por uma palhinha, mas... zás, catrapás!


Deu-lhe a galinha bicada
Deu-lhe a senhora pancada
E ele escapou-se a miar.


Três semanas se deitou a galinha sobre os ovos. Ao cabo do tempo marcado, começaram os pintainhos a sair, redondos, amarelos - piu, piu, piu -, à roda da galinha pedrês.
Só um ovo faltava. Também esse, por fim, estalou e dele surgiu, pulando - sabem o quê? -, um meio pinto. Tinha meio corpo, uma só asa, uma só pata.
Pinto tão estranho nunca se vira nas redondezas. Vinha gente de quintas distantes para o conhecer. Desciam os pássaros das árvores para o verem melhor e até a vaca, a caminho do pasto, parava, mugindo, diante do fenómeno. O gato maltês ficava a ouvir as conversas, num ar de troça por bichos e homens, resmungando para com os seus bigodes: "Pena foi eu ter comido apenas metade... Inteirinho é que ele me tinha apetecido."
O meio pinto cresceu, fez-se meio frango, meio galo e, em breve, a sua meia voz de cana rachada acordava todos de madrugada. Tão guloso, vaidoso, pomposo que não lhe cabia a fama nas dez léguas em redor. Levantou a crista, empertigou o pescoço, gritando para quem o quis ouvir:
- Vou para o palácio real, pois sou o rei dos galináceos.
Saltando ao pé-coxinho se foi afastando, até que encontrou um regato parado, com o leito atulhado de troncos e folhagem.
- Vem cá! - pediu o regato. - Liberta-me, para eu poder continuar a correr!
- Tenho pressa, sou o rei
A ninguém ajudarei!
Ia o Sol a pique no céu quando ouviu o manso crepitar de uma fogueira:
- Estou em cinzas. Abana-me com a tua asa, que não me quero apagar!
- Tenho pressa, sou o rei
A ninguém ajudarei!
E, perna para que te quero, pôs-se a marchar. Ao cair da noite, sentiu um fraco gemido:
- Sou o vento que se enredou num silvado. Afasta com o teu bico as folhas para que eu possa soprar!
- Tenho pressa, sou o rei
A ninguém ajudarei!
Assim continuou seu caminho até ao palácio real.
Entrou pela primeira porta que encontrou aberta e pôs-se a cantar:


- Sou rei, sou rei, sou rei
Aqui me instalarei!
Sou rei, sou rei, sou rei
Aqui me instalarei!


Mas, por pouca sorte, metera-se na cozinha. O cozinheiro deitou-lhe a mão, pondo fim à cantoria.
- Se és rei, já vais reinar!
Atirou-o para uma panela pousada sobre o fogão.
- Salva-me, água! - piou o meio galo.
- Não me quiseste ajudar,
Agora vou-te afogar! - disse a água e cobriu-o.
Logo o fogo começou a saltar de um lado e outro, em labaredas…
- Salva-me, fogo! - piou o meio galo.
- Não me quiseste ajudar,

Agora vou-te queimar!
E assim foi.

Numa travessa de prata o levou o cozinheiro à mesa real.
- Que é isto? Meio galo? E, ainda por cima, todo estorricado!
Agarrando-o pela asa, o rei atirou-o pela janela fora.
- Salva-me, vento! - piou mais uma vez o meio galo.
- Não me quiseste salvar,
Agora vou-te empurrar!
E tanto, tanto soprou, com tal fúria de vingança, que o meio galo à torre mais alta foi parar. Agarrou-se com força, com a sua única pata, mas mesmo assim o vento o faz rodopiar.
Talvez esteja bem perto de onde tu moras. Não viste, por acaso, no cimo daquela torre, virando-se a mando do vento, um meio galo? Chamam-lhe o cata-vento: olhando para ele se sabe em que direcção sopra o vento.

Luísa Ducla Soares, O Meio Galo, Edições ASA


quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

A Abóbora-Menina

Embalada pela serenata da noite, a aboborinha voltou a adormecer.
O senhor José Barnabé Pé de Jacaré, dono da fazenda, veio pela manhã dar a volta costumada, com a senhora Feliciana Lauriana atrás, de cesta no braço para os feijões verdes. Diante da abóbora, parou admirado e disse:
- Que maravilha! Isto era pevide abençoada. Feliciana Lauriana, esta abóbora não se come, fica para semente. Quando estiver madura, telhado com ela.
- Qual semente! Para a panela. Não há nenhuma outra em termos e eu morro por caldo de abóbora com feijão-manteiga, adubado a presunto.
-Aí vens tu! – proferiu José Barnabé Pé de Jacaré em tom ralhado – Faz lá como quiseres, mas sempre te digo que assim redonda e corpulenta, ainda de poucas semanas, é milagre.
E depois de aparar à aboboreira as flores que iam a desabrochar para que a abóbora recebesse a seiva, seguiram o seu caminho (…).
O grilo, que se escondera na covinha, ouviu a conversa e saindo para o terreiro rompeu a cantalorar em tom de troça.
E ó abóbora, e ó aboborinha,
estás aqui, estás na panelinha!

Aquilino Ribeiro. «Mestre Grilo Cantava e o Gigante Dormia» (adaptado)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Primeiro dia de aulas


Nunca esquecerei o meu primeiro dia de aulas.
Além de minha mãe, também a tia Tilde e a avó quiserem acompanhar-me. O meu pai tinha-lhes dito: «Vão fazer com que ele pareça um palerminha!» Mas nada feito. Eles responderam-lhe:
- Vamos ver como é o ambiente.
Quando chegamos à entrada da sala do primeiro D, havia uma espécie de revolução: o contínuo ia de vez em quando à porta para gritar ameaças e, lá dentro, os rapazes faziam um escabeche medonho.
- Mas então os professores não estão? – perguntou a minha mãe, já inquieta.
- Foram chamados ao director para receber instruções. Mas deixe-o entrar, eu estou aqui a vigiar.
A minha mãe não se decidia a largar a minha mão. Já estávamos à porta da aula, e os meus colegas viram a cena toda: eu à frente, agarrado à mamã, e atrás de nós as caras da tia Tilde e da avó, a examinar tudo com muita curiosidade.
Por fim, a minha mãe deu-me a pasta e disse-me:
- Adeus, Adalberto. Boa Sorte.
E baixou-se para me dar um beijo.
Eu já tinha percebido que aquela ocasião não era para beijinhos. A minha mãe, ainda vá; mas o trágico é que a tia Tilde e da avó também se baixaram para me beijar e me fazer as últimas recomendações.
E então ergueu-se na sala de aula uma espécie de uivo:
- Uhuuuuuuu!!!
A Tia Tilde saltou como impelida por uma mola:
- Que malcriados!!
Mas eu senti que os joelhos me tremiam de vergonha.
Será possível que não percebem que já não estou na incubadora?
Entrei na sala vermelho que nem um tomate, mas o João salvou-me.
Eh, Adalberto! Anda para aqui que guardei o lugar.
E depois, virando-se para os outros, preveniu:
- Adalberto é meu amigo.
E bem disse bem, como um chefe pode dizer, e os outros ficaram calados.


Ângela, Casari, As memórias de Adalberto, Caminho