quinta-feira, 29 de novembro de 2007

A princesa e a ervilha

Era uma vez um príncipe que queria desposar uma princesa, mas uma princesa verdadeira. Assim, deu a volta ao mundo para encontrar uma, e, na realidade, não faltavam princesas; o que ele nunca podia assegurar era que se tratasse de verdadeiras princesas; havia sempre algo nelas que lhe parecia suspeito. Por consequência, regressou, muito deprimido, por não ter encontrado aquilo que desejava.
Uma noite, fazia um tempo horrível, os raios entrecruzavam-se, o trovão ribombava, chovia a cântaros - era pavoroso. Alguém bateu à porta do palácio e o velho rei apressou-se a mandar abrir.
Era uma princesa, mas, santo Deus, em que estado a chuva e a tempestade a haviam posto! A água escorria dos seus cabelos e das suas roupas, entrava-lhe pela biqueira dos sapatos e voltava a sair pelos tacões. Todavia, afirmou ser uma verdadeira princesa.
- Isso é o que iremos ver!- pensou a velha rainha. Depois, sem dizer nada, entrou no quarto de dormir, tirou os lençóis e os colchões e colocou no fundo da cama uma ervilha. Em seguida, pegou em vinte colchões e estendeu-os sobre a ervilha e sobre os quais empilhou ainda vinte cobertas.
Era a cama destinada à princesa. No dia seguinte, pela manhã, perguntou-lhe como passara ela a noite.
- Muito mal!- respondeu. – Mal consegui fechar os olhos toda a noite! Deus sabe o que tinha na cama; era algo de duro que me pôs a pele toda roxa. Que suplício!
A esta resposta, reconheceram que se tratava de uma verdadeira princesa, pois sentira uma ervilha através de vinte colchões e de vinte cobertas. Que mulher, a não ser uma princesa, poderia ter uma pele de tal modo delicada?
O príncipe, completamente convencido de que esta era uma verdadeira princesa, tomou-a como esposa e a ervilha foi posta no museu, onde deve encontrar-se ainda, a não ser que um coleccionador a haja roubada.
E aqui está uma história tão verdadeira como a princesa!

Hans Christian Andersen, Contos imortais, Publ. Europa-América

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Conto de Natal

Dezembro está a chegar e com ele uma festa muita importante do nosso calendário.
Sobre o Natal muito sem tem escrito. O Clube de Leitura vai dedicar o mês de Dezembro à Literatura relacionada com o Natal.
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Ficamos à espera!

terça-feira, 27 de novembro de 2007

O Leão e os Três Bois

Havia três bois que costumavam pastar sempre juntos.
Um Leão emboscou-se na esperança de os caçar, mas estava com receio de os atacar enquanto estivessem unidos.
Usando a sua astúcia, conseguiu que lutassem entre si, separando-os. Então, atacou-os sem medo e devorou-os um a um.

Moral da história:
A união faz a força.

Esopo






segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Carta


Meu querido amigo Gato Amarelo,

Ainda que um pouco tarde, venho dar-te as minhas notícias, pedir-te perdão da maneira como te deixei. Deste-me o melhor conselho que me podiam dar: vir para a cidade. Passei maus bocados, é certo, mas agora sou feliz. Moro nos arredores de uma linda cidade e tenho um jardim só para mim. Às vezes empresto-o a Clara, a minha pequena dona. Como a morada vai no remetente, espero que um dia me venhas visitar. Hei-de então contar-te uma história de foguetões... Fica sabendo que este teu amigo já foi astronauta, actor de teatro, modelo – uma personagem, enfim! Hoje, porém sou um pacato cidadão.
Uma novidade: tornei-me desportista como tu. A minha dona ofereceu-me um ratinho de corda e brinco com ele. É um óptimo exercício podes crer. Queres que te mande um de presente? Quanto a caçar ratos verdadeiros, é um assunto arrumado: sou e serei sempre um gato pacifista!
E fico por aqui. Clara, a minha dona, manda-te cumprimentos.

Eu, um cordial aperto de pata,
Estrelinha

Madalena Gomes, Estrelinha, O Gato Astronauta, Ed. ASA

domingo, 25 de novembro de 2007

A Cadeira carunchosa

Era uma vez um ferro-velho. Num canto da loja, coberta de pó e de teias de aranha, vivia uma cadeira carunchosa. Era a mais velha, a mais desprezada das cadeiras do ferro-velho. As outras troçavam dela:
- A “Carunchosa” é a vergonha das cadeiras- dizia a cadeira “Dourada”- no lume é que ela estava bem.
- Ou então no lixo- atalhou a sua prima, a de espaldar, por alcunha a “Tesa”. As cadeiras rústicas e as de estilo americano riram às gargalhadas. A “Vermelha”, que tinha partido uma perna, de tanto rir até caiu ao chão. Só as cadeiras tristes, da sala de espera, não acharam graça. Estavam fartas da “Dourada” e da “Tesa”, das suas conversas mesquinhas.
A vida no ferro-velho era monótona. Aquelas cadeiras, agora desirmanadas, lembravam-se de melhores dias. Todos tinham tido uma família. Recordavam a carícia do pano de pó, o peso ou a leveza dos seus donos- às vezes a sua brutalidade. À “Vermelha” por exemplo faltava uma perna. Outras mostravam arranhões, o assento rasgado. Mas apesar disso, da brutalidade com que às vezes eram tratadas, suspiravam por ser compradas de novo. A “Carunchosa” é que não. Estava tão velha, tão cansada! Ela que atravessara dois séculos, que servira várias gerações, só pedia uma coisa: que a deixassem em paz, era por isso que se escondia atrás das outras, quando algum cliente entrava na loja.
Ora, num dia em que as cadeiras conversavam sobre a sua triste vida, o dono do ferro-velho disse para o empregado:
- Logo mando cá um comprador. Mostre-lhe as cadeiras que temos.
A “Dourada” e a “Tesa” empertigaram-se.
- Serei eu a escolhida- disse a “Dourada”- nenhuma de vocês tem a minha graça, a minha elegância...
- Perdão minha prima- ripostou a “Tesa”- pode ser muito engraçada mas não tem a minha distinção.
As outras cadeiras embora se sentissem inferiores, também tinham esperança. Se o cliente fosse de recursos modestos, talvez as preferisse... Até mesmo a “Vermelha”, a quem chamavam a “Manca”, estava entusiasmada. Com uma perna nova podia ainda servir.
Só a “Carunchosa”, indiferente a tudo, se mantinha quieta, no seu canto.
O cliente chegou à tardinha. O empregado mostrou-lhe as cadeiras uma por uma, gabando as suas qualidades. Mas o homem abanava a cabeça.
- Não temos não senhor... Ah! Só se for aquela!- disse, de repente, apontando para a “Carunchosa”.
- Deixe-me vê-la bem.
O empregado pegou na “Carunchosa”, limpou-a e pô-la no meio da casa, onde a luz era mais viva. As outras cadeiras, sustendo o riso, aguardavam. Será que o comprador iria preferir aquela cadeira tão feia, tão carunchosa?...
Mas o cliente parecia não ter pressa. Olhava, encantado para a cadeira, em que descobria uma preciosidade. Por fim, disse:
- Quanto quer por ela? Compro-a!
E pagou sem regatear, uma boa quantia pela “Carunchosa”.
Que lição para as outras cadeiras! Naquela noite, de envergonhadas, nem conseguiram dormir.

Madalena Gomes, Contos para a Catarina

sábado, 24 de novembro de 2007

NEM SÓ DE PÃO VIVE O HOMEM

Dantes, cresciam nos beirais umas ervinhas chamadas arroz de telhado… – recordava o senhor Jacinto, com tristeza. – Mas agora os únicos arbustos que crescem nos telhados são as antenas da televisão!
– Pai – lembrou um dia a Rosinha –, e se nós comprássemos uns vasos para a varanda e semeássemos as flores? Sempre era melhor do que nada.
A ideia da Rosinha encheu de alegria nova o coração da família.
Logo ali ficou assente que haviam de encomendar vasinhos de barro, muito frescos e garridos, para os enfileirar na varanda voltada para o sol; depois, escreviam a uns primos da aldeia a mandar vir terra e sementes…
Assim fizeram. Passou o Inverno, e pela Primavera meia dúzia de florinhas envergonhadas deitaram a cabeça fora de terra.
Foi uma alegria na casa. Até parecia que tinha nascido um bebé na família.
A toda a hora andavam de roda das florinhas a dar-lhes de beber, a protegê-las do vento áspero ou do sol de Março que as pudesse crestar.
Mas o senhor Jacinto era daqueles que, quando encontram a felicidade, não descansam enquanto não pegam felicidade aos outros.
– Sabes uma coisa? – disse ele uma tarde à mulher. – Tenho andado a pensar que é uma pena haver só a nossa varanda florida em todo o bairro. Porque não havemos de entusiasmar os vizinhos a fazer o mesmo que nós fizemos?
– Isso era bom, mas como? – perguntou a dona Hortense, já interessada.
– Agora está muito em moda a publicidade. Juntamente com as carcaças ou os cacetes (o senhor Jacinto era padeiro) eu oferecia um brinde aos fregueses: um pacotinho de sementes! Assim, eles, com o desejo do brinde, compravam mais pão. Eu ficava a ganhar e eles também; porque cada qual podia ter um jardim pequenino em sua casa.
– Que lindo! Pão e flores! É quase o milagre da Rainha Santa Isabel – exclamou a Rosinha.
E a Margarida, que tinha muito jeito para desenho, foi logo fazer um cartaz para o pai colocar na montra da padaria.
Dizia assim: NEM SÓ DE PÃO VIVE O HOMEM. COMPRE UM PÃO E GANHE UM JARDIM FLORIDO.

Maria Isabel Mendonça Soares, Contos no Jardim

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

A Abelha Rainha


Parte II


Vais, em seguida, saber o que aconteceu aos três jovens, na sua aventurosa viagem.

Depois, entraram em todas as salas até chegarem a uma porta com três cadeados, mas no meio da porta havia um ralo e eles puderam espreitar para dentro da sala.
Viram um pequeno velhote grisalho, sentado a uma mesa. Chamaram por ele uma ou duas vezes, mas ele não ouviu. Contudo, ao chamarem pela terceira vez, ele levantou-se e foi ter com eles.
Ela nada disse e limitou-se a levá-los para uma mesa coberta com tudo o que era bom. Depois de eles terem comido e bebido, indicou um quarto a cada um.
Na manhã seguinte, foi ter com o mais velho e levou-o para uma mesa de mármore onde estavam três placas com a indicação de como o castelo podia ser desencantado.
A primeira placa dizia: “ Na floresta, sob um musgo, estão mil pérolas que pertencem à filha do rei. Devem ser todas encontradas. Se, ao pôr do Sol, faltar alguma, aquele que as tiver ido procurar será transformado em mármore.”
O irmão mais velho saiu e passou todo o dia a procurar pérolas, mas quando caiu a noite, ainda não tinha encontrado a primeira centena; portanto foi transformado em pedra, como a placa previra.
No dia seguinte, o segundo irmão iniciou a mesma tarefa, mas não se saiu melhor do que o primeiro, pois só conseguiu encontrar a segunda centena de pérolas e, portanto, foi também transformado em pedra.
Finalmente, chegou a vez do pequeno anão. Procurou no musgo, mas era tão difícil encontrar as pérolas e era uma tarefa tão aborrecida! Sentou-se numa pedra e começou a chorar. E, enquanto ele ali estava sentado, o rei das formigas (a quem salvara a vida) foi ajudá-lo, com cinco mil formigas, e não tardou que encontrassem todas as pérolas e amontoassem.
A segunda placa dizia: “A chave do quarto da princesa tem de ser tirada do lago”. Quando o anão chegou à margem do lago, viu os dois patos que tinha salvo a vida ali a nadar. Eles mergulharam e depressa tiraram a chave do fundo.
A terceira tarefa era a mais difícil. Era escolher a mais nova e melhor das três filhas do rei. Ora, todas elas eram belas e exactamente iguais, mas foi-lhe dito que a mais velha tinha comido um torrão de açúcar, a outra melaço doce e a mais nova uma colher de mel e ele tinha de adivinhar qual delas tinha comido o mel.
Então, veio a rainha das abelhas, que tinha sido salva do fogo pelo anãozinho, e provou os lábios das três. Finalmente, passou nos lábios da que tinha comido o mel e, assim, o anão ficou a saber qual era a mais nova.
Assim, o feitiço foi quebrado e todos aqueles que tinham sido transformados em pedra acordaram e voltaram à sua forma real. E o anão casou com a mais nova e a melhor das princesas.


Contos de Grimm

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

A Abelha Rainha

Parte I
Era uma vez um rei que tinha três filhos.
Um dia, os dois mais velhos decidiram correr mundo para fazer fortuna. Mas não tardaram a cair numa forma de vida insensata e perdulária, de modo que não podiam regressar a casa. Então, o mais novo, que era um anãozinho insignificante, foi à procura dos seus irmãos, mas quando os encontrou eles riram-se por ele, que era tão jovem e tolo, querer correr mundo, quando eles, que eram muito mais espertos, não tinham conseguido. No entanto, partiram juntos para a sua viagem e, finalmente, chegaram a um formigueiro. Os dois irmãos mais velhos queriam destruí-lo para ver as pobres formigas assustadas a correr com os seus ovos. Mas o anãozinho disse:
-Deixem as pobrezinhas divertirem-se. Não deixarei que as perturbem.
E, assim, lá continuaram a andar e chegaram a um lago, onde nadavam muitos patos. Os dois irmãos queriam apanhar dois deles e assá-los. Mas o anão disse:
-Deixem os pobrezinhos divertirem-se. Não os matarão.
A seguir, depararam com uma colmeia numa árvore oca, e esta tinha tanto mel que escorria pelo tronco. Os dois irmãos queriam acender uma fogueira debaixo da árvore para matarem as abelhas e ficarem com o mel, mas o anão deteve-os e disse:
-Deixem os lindos insectos divertirem-se. Não posso deixar que os queimem.
Finalmente, os três irmãos chegaram a um castelo e, ao passarem pelo estábulo, viram lá belos cavalos de mármore mas não se via nenhum homem.

Contos de Grimm (adaptado)

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Sonhos da Menina

A flor com que a menina sonha
está no sonho?
ou na fronha?

Sonho
risonho:

O vento sozinho
no seu carrinho.

De que tamanho
seria o rebanho?

A vizinha
apanha
a sombrinha
de teia de aranha . . .

Na lua há um ninho
de passarinho.

A lua com que a menina sonha
é o linho do sonho
ou a lua da fronha?

Cecília Meireles

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O Rei Vai Nu

Era uma vez um rei muito vaidoso e que gostava de andar muito bem arranjado. Um dia, vieram ter com ele dois aldabrões que lhe falaram assim:
- Majestade, sabemos que gosta de andar sempre muito bem vestido - bem vestido como ninguém; e bem o mereceis! Descobrimos um tecido muito belo e de tal qualidade que os tolos não são capazes de o ver. Com um fato assim Vossa Majestade poderá distinguir as pessoas inteligentes dos tolos, parvos e estúpidos que não servirão para a vossa corte.
- Oh! Mas é uma descoberta espantosa! - respondeu o rei. Tragam já esse tecido e façam-me o fato; quero ver as qualidades das pessoas que tenho ao meu serviço.
Os dois aldrabões tiraram as medidas e, daí a umas semanas, apresentaram-se ao rei dizendo:
- Aqui está o fato de Vossa Majestade.
O rei não via nada, mas como não queria passar por parvo, respondeu:
- Oh! Como é belo!
Então os dois aldrabões fizeram de conta qua estavam a vestir o fato, com todos os gestos necessários e gestos necessários e exclamações elogiosas:
- Ficais tão elegante! Todos vos invejarão!
A notícia correu toda a cidade: o rei tinha um fato que só os inteligentes eram capazes de ver. Um dia o rei resolveu sair para se mostrar ao povo. Toda a gente admirava a vestimenta, porque ninguém queria passar por estúpido, até que, a certa altura, uma criança, em toda a sua inocência, gritou:
- Olha, olha! O rei vai nu!
Foi um espanto! Gargalhada geral. Só então o rei compreendeu que fora enganado; envergonhado e arrependido da sua vaidade, correu a esconder-se no palácio.

domingo, 18 de novembro de 2007

Beatriz e o Plátano

Certo dia constou que as autoridades tinham resolvido deitar o plátano abaixo. Achavam elas que o novo edifício dos Correios ficaria mais bonito se não houvesse nada a ensombrá-lo. Iria ter a fachada pintada de duas cores, caixilhos de alumínio e, ainda, um painel de azulejos por cima da entrada. Ora o que era uma velha árvore comparada com tal modernidade e esplendor? Assim pensavam as autoridades que se preparavam para ficar célebres na história da cidade, e uma das diligências mais importantes era, na ideia deles, acabar com as «velharias inúteis». Era assim que classificavam as árvores com centenas de anos de idade.
Beatriz, quando soube da notícia, ficou alarmada. Como era possível que alguém se atrevesse a deitar abaixo o plátano, o seu velho amigo, o mais lindo plátano em toda a cidade e sempre tão apreciado que até servira para dar nome à rua onde crescera? E não faria tão boa figura em frente do novo edifício como a que tinha feito em frente do desaparecido? Não continuaria também a dar hospedagem aos pássaros e abrigo às pessoas nos dias de chuva ou de sol?
Que mais podia um edifício novo desejar do que ter como enfeite uma árvore daquelas, conhecedora de tudo o que, durante alguns séculos, acontecera na Rua do Plátano? E talvez até soubesse falar, é bem possível, e então talvez pudesse contar ao edifício novo tudo aquilo a que assistira nos tempos passados.
Foi em tudo isto que Beatriz pensou. Falou aos pais e aos professores, mas ninguém lhe indicava uma solução para o caso. Todos diziam:
– Quem manda na cidade são as autoridades.
Finalmente, Beatriz resolveu escrever uma carta a essas autoridades que, no seu entender, estavam prestes a cometer uma falta irreparável pois, mesmo se um dia se viessem a arrepender de ter feito perder à cidade o plátano mais lindo que lá havia e se resolvessem a plantar outro, quantos e quantos anos não levaria ele a fazer-se uma árvore que se visse! Foi o que explicou na carta e, no fim, rematou:

«As senhoras autoridades decerto vão achar que eu tenho razão e, por isso, desistirão de deitar abaixo o plátano da Rua do Plátano.
Hão-de ver que ele vai fazer o mesmo vistão em frente do novo edifício dos Correios que fazia em frente do velho.
Muitos cumprimentos da Beatriz.»

Ilse Losa, Beatriz e o Plátano

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Os ratos reunidos em conselho

Há muito tempo, os ratos reuniram em conselho para decidir a maneira de se verem livres do gato que andava permanentemente à caça deles.
O gato era muito esperto, deslocava-se furtivamente, sem fazer barulho e, quando atacava, era mais rápido e mortífero do que um relâmpago.
Vários ratos expuseram as suas ideias, e a reunião prolongou-se pela noite fora. Nenhum dos planos parecia resultar, até que um rato muito novo pediu a palavra.
- Proponho - disse ele - que se pendure um guizo ao pescoço do gato. E, assim, cada vez que ele se mexer, o guizo toca e avisa-nos do perigo. Ouvimos o som e temos tempo de fugir.
Os outros ratos acharam que era uma óptima ideia e foi uma chiadeira de entusiasmo e aplausos. Então, um velho rato, que tinha ficado calado durante todo o tempo, levantou-se e disse com gravidade:
- A tua proposta é excelente e tenho a certeza de que vai dar resultado. Mas pergunto uma coisa.

Calou-se.
- O que é? Faça a pergunta- chiaram os outros ratos.
- Quem- disse o velho rato- vai pendurar o guizo ao pescoço do gato?
Desta vez, nenhum dos ratos teve mais nada a dizer.

É mais fácil ter ideias do que realizá-las.

Versão de Ricardo Alberty, Fábulas de Esopo

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Escarlate

Eram redondos e vivos, muito vivos e curiosos os olhos daquele peixe que tinha apenas acabado de nascer e já queria viajar e já dançava nas ondas. De tal maneira ondulava e era vermelho que parecia uma labareda, muito embora as labaredas não brinquem no mar.
Escarlate lhe chamavam os pais, as algas, os limos, as rochas, a areia e as pedrinhas lisas que rolavam e se gastavam a rolar.
Escarlate viu ao longe os prédios cheios de janelas, papagaios de papel que esvoaçavam no espaço e crianças que jogavam e corriam. Olhou tudo aquilo e gostou. E acabou por se lançar na primeira vaga que o arrastou até à costa sem que tivesse tempo de voltar para trás. Agora as ondas vinham e recuavam e o peixe nadava apenas um metro e voltava a ser arremessado contra a praia. Era impossível atravessar as vagas e Escarlate sentia fugirem-lhe as forças enquanto os seus olhos redondos e curiosos iam ficando menores, cada vez menores, como se o cansaço os quisesse fechar.
De repente, a mão de um garoto grande e queimado pelo sol desceu sobre ele e Escarlate foi levantado do remoinho de espumas em dois segundos.
- Pobre peixe vermelho - disse o garoto - vou ver se te posso ajudar. E lançou Escarlate o mais longe que pôde. Mas ele voltou na crista de uma vaga, como se fosse um barquinho de cortiça.
Então o garoto mergulhou, nadou vigorosamente e foi empurrando Escarlate com a concha da mão. Zzz!- murmurou o peixe, o que em linguagem de gente quer dizer: Como se chama você? E o nadador, que não tinha tempo para conversas, respondeu que se chamava Zé, que é o nome mais curto que há.
Zé levou o peixe para lá das vagas que se quebravam, deixou-o em segurança e voltou para a praia, enquanto Escarlate, rodeado dos amigos grandes e pequenos, contava a sua aventura:
-Foi um jovem que me salvou! Foi um jovem que me salvou!
E o mar repetia:
- Um jovem salvou Escarlate! Um jovem salvou Escarlate!
Os peixes batiam as caudas, as algas acenavam, os limos bailavam e as pedrinhas rolavam mais depressa na areia. E até a cidade ao longe, toda enfeitada de sol, parecia ainda mais colorida e alegre.
- Os jovens agora também salvam os peixes - diziam todos - o mundo está melhorando, vamos ver em breve os homens de mãos dadas, não é verdade, Escarlate?
Escarlate dizia que sim e, de tão comovido que estava, piscava os olhos redondos e vivos e fazia piruetas de palhaço por entre as estrelas-do-mar.

Sidónio Muralha, Sete Cavalos na Berlinda, Plátano Editora

domingo, 11 de novembro de 2007

Lenda de São Martinho

São Martinho foi na mocidade soldado das legiões do imperador Juliano. Num certo dia de borrasca, em pleno Inverno, sob o vendaval e a neve, equipado e armado, montado a cavalo, embuçado até aos olhos na capa militar, São Martinho viu, às portas de Amiens, um mendigo andrajoso e seminu, tiritando de frio, estendendo suplicantemente para ele a sua pobre mão ossuda, ganchona e congelada.
O Santo sofreou o cavalo, acalentou com enternecida caridade a mão desse abandonado e, em seguida, desembuçando-se, tomou da espada, cortou ao meio a sua capa de agasalho, deu metade dela a esse miserável peregrino e, envolto na outra metade, sacudiu a rédea e prosseguiu através da tormenta, de peito ao vento e à neve,
Subitamente, porém, no caminho do soldado, a tempestade desfez-se, amainou o tufão e a geada, o céu descobriu instantaneamente, como por encanto, a sua inefável profundidade límpida e azul, e um sol de Estio acariciante e resplandecente inundou a terra de alegria e vestiu de luz e calor, numa apoteose da natureza, esse cavaleiro de caridade evangélica.
Deus, reconhecido, para que não se apagasse da memória dos homens a notícia deste acto de bondade, praticado por um dos seus eleitos, dispôs que em cada ano, na mesma época em que São Martinho se desapossou da metade da sua capa, por alguns dias de gala se interrompesse o Inverno, cessasse o frio, sorrisse o céu e a terra de um miraculoso contentamento.


Ramalho Ortigão, Verão de São Martinho

sábado, 10 de novembro de 2007

O aviso da gota

A água é
para preservar
se queres ter uma vida boa
começa já a poupar

Cascatas, rios e
Muitos mares
Coisas tão bonitas
Não é melhor aproveitares?

Estas coisas já
Estão a acabar
Mas se poupares água
Estás a ajudar

Se fizeste isso
Fizeste muito bem
Agora já és boa
Pessoa podes sorrir também


Luísa Macias

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Havia um menino

Havia um menino
Que tinha um chapéu
P’ra pôr na cabeça
Por causa do Sol:
Em vez de um gatinho
Tinha um caracol
Dentro de chapéu.
Fazia-lhe cócegas
No alto da cabeça,
Por isso ele andava
Depressa, depressa,
P’ra ver se chegava
A casa e tirava
O chapéu, saindo
De lá e caindo
O tal caracol.
Mas era, afinal,
Impossível tal,
Nem fazia mal
Nem vê-lo, nem tê-lo,
Porque o caracol
Era de cabelo!

Fernando Pessoa

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Chuva De Verão


Foram dias de muito chuva os que depois vieram. Olhávamos através dos vidros das janelas para aquele céu fechado sobre as nossas cabeças, e contávamos as minúsculas gotas de água que escorregavam e se transformavam em gotas grandes, gordas, que faziam pequenos ribeiros nos parapeitos.
E porque chovia, as pessoas tinham um olhar diferente, e quando se cruzavam umas com as outras sorriam discretamente e murmuravam «que tempo este, santo Deus», ao que geralmente respondiam «nem parece Verão!»
E porque chovia, a Irene fechava com muito cuidado as janelas dos nossos quartos, e à noite eles tinham um leve cheiro a bafio, e uma humidade morna amaciava as paredes.
E porque chovia, o Manuel do Canto não tinha mãos a medir, e todos se lembravam de telefonar a amigos, a familiares, e quando as chamadas demoravam todos se queixavam, todos andavam para cá e para lá no grande corredor à espera da sua vez, até que o Manuel do Canto levava as mãos à cabeça e murmurava com os botões da farda: «Este PBX ainda rebenta um dia destes!»
E porque chovia, a passadeira da entrada tinha manchas de água que escorria dos chapéus-de-chuva de quem entrava a correr, vindo dos tratamentos.
E porque chovia, a sala grande enchia-se de senhoras que teciam intermináveis toalhas de croché em complicados desenhos de abertos e fechados, ou batiam as agulhas de tricot uma na outra em camisolas para o Inverno que não tardava.
E porque chovia, as senhoras diziam palavras atrás de palavras, e o tempo escorria gorduroso pelo meio delas, e falavam de fios de prata e de fios de ouro, e do muito dinheiro que iam gastar no hotel, ou então em doenças, ou em pessoas que tinham morrido, «e que impressão me fez olhar para aquele sofá onde ela se costumava sentar».
E porque chovia, os homens lançavam cartas de jogar em cima da mesa, coberta de flanela verde e com pequenos cinzeiros nos quatro cantos, que o vício de jogar outros vícios consigo trazia.
E porque chovia, o Sr. Filipinho esfregava mais as mãos quando passava por nós, e a D. Adelaide parecia mais curvada sobre a bengala.


Alice Vieira, Águas de Verão, Caminho

terça-feira, 6 de novembro de 2007

O Acordar de Salpico

A mãe entrou-lhe de rompante no quarto:
- Ó rapaz, são quase horas de sairmos e ainda aí estás!
Arrancou-o da cama, atirou com a porta e enfiou-o na casa de banho.
Ele deixou-se lavar, vestir, pentear, engoliu à pressa o leite que lhe enfiou pela boca abaixo a mãe, enquanto gritava: “Miguel, não te esqueças disto, Teresa, vê se fazes aquilo” e dizia para si própria: “Hoje, não me posso esquecer de ir ao supermercado à hora do almoço. Preciso de fruta, leite, manteiga…”
Naquela casa – aprendeu Salpico – nascia barulho por todo o lado: nas vozes das pessoas, nos rádios, nos gira-discos e gravadores, nas janelas abertas, nas casas dos vizinhos…
O carro do pai arrancou com grande barulho para a distribuição: uns para a escola, outros para o trabalho.
Salpico sentou-se no banco de trás, entre os irmãos, mordiscando o pão.
O pai continuava interessado nas notícias do rádio, a mãe virava-se para trás e gritava coisas de que se ia lembrando. A Teresa levantava um dos auscultadores e perguntava:

- O quê? Não oiço.
Depois de atravessarem muita confusão, muitos carros a buzinar e condutores a gritarem uns aos outros, despejaram-no na escola, onde a mãe o apresentou à pressa à professora e foi-se embora porque tinha de estar no emprego a horas.
Na escola esteve ensonado, sem interesse, desatento.
Lembrava-se da sua quinta, e comparava o seu despertar lá e aquela primeira manhã em casa dos pais. Só tinha ouvidos para o que se passava dentro de si, para as suas recordações e a tristeza que lhe enchia o coração.
A professora quis saber qual era o problema.
- Dói-me a cabeça – respondeu o Salpico e, através das perguntas da professora, acabou por contar o que se passara.
- Pois é, Luís António, a isso chama-se poluição sonora. Muito barulho, sabes? - mais do que tu podes aguentar.

Manuel Alves, Salpico, Caminho

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

A tartaruga e os patos

Era uma vez uma Tartaruga que queria conhecer o mundo. Confiou este seu desejo a dois Patos que viviam perto dela, numa lagoa.
Um belo dia, a lagoa secou e os Patos prepararam-se para partir. Antes, porém, foram despedir-se da sua amiga e fizeram-lhe um convite:
- Se quiseres, podes vir conhecer o mundo connosco. Cada um de nós segura a ponta de um ramo e tu agarras-te bem a ele com a boca. Assim, ficarás em segurança e poderás ver, lá do alto, cidades e reinos maravilhosos.
A Tartaruga nem pensou duas vezes: aceitou o convite e, nesse mesmo dia, partiram todos à aventura. Sobrevoaram aldeias, cidades e reinos de encantar. Quando passavam por cima de um campo, os camponeses admiraram-se com o que viram e gritaram:
- Vejam! Vejam! Uma Tartaruga a voar!
- Como sou extraordinária! - gritou a Tartaruga cheia de orgulho.
Porém, assim abriu a boca, largou o ramo e estatelou-se no chão.

Moral da história:
Aceita o triunfo com modéstia.

La Fontaine

domingo, 4 de novembro de 2007

A separação

No entanto, à Luísa metera-se na cabeça que me havia de trazer consigo para Lisboa. Depois de o Manuel lhe ter dito que eu lhe pertencia e que gostava muito de mim, correu para a barraca onde a vi falar com os pais. Vi- a também chorar.
Nesse mesmo dia, por volta da hora do jantar, parou um automóvel à nossa porta. Os vizinhos chegaram-se à janela, porque não acontecia todos os dias pararem automóveis naquela rua.
Do carro saíram a Luísa e os pais. Entraram na nossa casa. A Tia Júlia estava a cozinhar. Quando viu aquela gente desconhecida e bem-posta, limpou as mãos ao avental e ofereceu-lhes cadeiras. Reparei que olhavam com estranheza a cozinha e a lareira escura a fumegar . O pai da Luísa declarou à Tia Júlia que desejava comprar-me, por a sua filha gostar de mim e por ter chorado, tanto me queria.
-A senhora faça o preço que entender- propôs.
A Tia Júlia olhou para o filho, depois para mim. Foi um momento bem triste, aquele. Porque, afinal, nós três pertencíamos uns aos outros e não havia o direito de nos quererem separar.
Mas a Tia Júlia era uma mulher pobre e as coisas estavam caras. O Manuel precisava de sapatos novos e de um casaco para o Inverno. Eu sabia isso por ter ouvido a Tia Júlia dizê-lo à vizinha. Nem sei como hei-de arranjar as coisas para o meu filho, suspirava. É bem natural que estivesse naquele momento a pensar nisso e a lembrar-se de que poderia comprar o que o Manuel precisava, se me vendesse. Deve ter sido por isso que ela disse:
- Olha, meu filho, também sou amiga do Faísca, mas a verdade é que o dinheiro fazia-nos agora muito jeito.
Nem gosto de recordar! Manuel olhou para a mãe com os olhos carregados de tristeza. Não respondeu nada, mas pôs-se a chorar e abraçou-se a mim com toda a força. Então meti o rabo entre as pernas e lambi-lhe as mãos. Eu já expliquei que nós, os cães, não deitamos lágrimas. Mas o meu coração estava repleto delas, podem crer. Encolhi-me todo, magoava o peso das lágrimas no coração e fui meter-me num canto da cozinha.
A Tia Júlia afagou a cara de Manuel e o pai da Luísa disse:
- Minha senhora, se ao rapaz custa tanto separar-se do cão, desistimos, é evidente.
Mas a Tia Júlia estremeceu ao pensar que o dinheiro, neste momento, lhe fazia jeito. Por isso indicou um preço. Não sei quanto pediu, nunca percebi nada de dinheiros e de pagamentos. O senhor tirou imediatamente uma nota da carteira e deu-a à Tia Júlia.
Tentei fugir, mas a porta estava fechada. Voltei, desesperado, para o canto da cozinha.
Não olhei para a Luísa, nem gostei dela naquele momento. Afinal era uma menina que queria tudo o que se podia comprar por dinheiro. O pai era rico e ela só precisava de pedir ou de chorar para que lhe dessem o que desejava. Não pensava no Manuel, que assim perdia o melhor companheiro e que não tinha culpa de o pai não ganhar o suficiente no Brasil. Luísa era assim porque nunca ninguém lhe tinha explicado como muitas outras pessoas vivem. Os pais faziam-lhe todos as vontades por ela ser a única filha. Também o Manuel era o único filho da Tia Júlia; contudo, ela não podia fazer-lhe muitas vontades, antes pelo contrário, até se via obrigada a lhe tirar o melhor amigo de que ele tanto gostava, para lhe poder comprar as roupas de Inverno.
Em seguida o pai da Luísa e a Tia Júlia empurraram-me para dentro do automóvel. Ainda fiz uma tentativa para resistir, mas não serviu de nada, pois apareceu um vizinho a ajudar a empurrar-me.
Dentro do carro, deitei as patas ao vidro da janela, ladrei, uivei. Mas tive de partir.
O carro ia-se afastando e ainda vi o Manuel chorar e a Tia Júlia a passar-lhe as mãos pela cabeça. Ainda ouvi gritar o meu amigo:
- Faísca! Meu Faísca!
Depois, o automóvel virou uma esquina e não vi mais nada.

Ilse Losa, Faísca Conta a Sua História, Ed. ASA

sábado, 3 de novembro de 2007

Faísca Conta a Sua História

Sou um cão já velho e chamo-me Faísca. Este nome deu-mo o Manuel, pois queria por força que eu corresse muito depressa. Mas este nome só ligava bem com o meu feitio enquanto eu era novo. Nesse tempo apetecia-me, realmente, correr e saltar, tão depressa que ninguém me apanhava. Mais tarde já preferia andar devagarinho em vez de correr, e agora gosto mais é de estar refastelado, no Verão, a uma sombra fresca e, no Inverno, ao pé do lume. Acho, por isso, que o nome não foi bem escolhido: um nome não deve servir só enquanto se é novo e tornar-se ridículo quando se envelheceu. Ainda ontem ouvi uma menina rir-se às gargalhadas quando a Luísa a informou de que eu me chamava Faísca.
-Este cão tão molengão chama-se Faísca?- perguntou toda trocista.
Mas, afinal, vocês não sabem quem são o Manuel e a Luísa. Vou contar-vos tudo desde o princípio.
Nasci numa aldeiazinha do Minho. (...)


Ilse Losa, Faísca Conta a Sua História, Ed. ASA

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

O Mosquito Escreve

O mosquito pernilongo
trança as pernas, faz um M,
depois, treme, treme, treme,
faz um O bastante oblongo,
faz um S.

O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê,
faz um Q,
faz um U, e faz um I.

Este mosquito
esquisito
cruza as patas, faz um T.
E aí,
se arredonda e faz outro O,
mais bonito.

Oh!
Já não é analfabeto,
esse insecto,
pois sabe escrever seu nome.

Mas depois vai procurar
alguém que possa picar,
pois escrever cansa,
não é, criança?

E ele está com muita fome.


Cecília Meireles

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

As Fadas








As fadas... eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar...
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, à beira mar...

Algumas em fonte fria
Escondem-se, enquanto é dia,
Saem só ao escurecer...
Outras, debaixo de terra,
Nas grutas verdes da serra,
É que se vão esconder...
(...)

Umas têm mando nos ares;
Outras, na terra, nos mares;
E todas trazem nas mãos
Aquela vara famosa,
A vara maravilhosa,
A varinha de condão!

O que elas querem, num pronto
Fez-se ali! Parece um conto...
Mesmo de fadas... eu sei!
São condões, que dão à gente
Ou dinheiro reluzente
Ou jóias, que nem um rei!
(...)

Quantas vezes, já deitado,
Ma sem sono, ainda acordado,
Me ponho a considerar
Que condão eu pediria,
Se uma fada, um belo dia,
Me quisesse a mim fadar...

O que seria? Um tesouro?
Um reino? Um vestido de ouro?
Ou um leito de marfim?
Ou um palácio encantado,
Com seu lago prateado
E com pavões no jardim?






Antero de Quental,
Tesouro Poético da Infância,
Lello & irmão Ed.