sábado, 24 de novembro de 2007

NEM SÓ DE PÃO VIVE O HOMEM

Dantes, cresciam nos beirais umas ervinhas chamadas arroz de telhado… – recordava o senhor Jacinto, com tristeza. – Mas agora os únicos arbustos que crescem nos telhados são as antenas da televisão!
– Pai – lembrou um dia a Rosinha –, e se nós comprássemos uns vasos para a varanda e semeássemos as flores? Sempre era melhor do que nada.
A ideia da Rosinha encheu de alegria nova o coração da família.
Logo ali ficou assente que haviam de encomendar vasinhos de barro, muito frescos e garridos, para os enfileirar na varanda voltada para o sol; depois, escreviam a uns primos da aldeia a mandar vir terra e sementes…
Assim fizeram. Passou o Inverno, e pela Primavera meia dúzia de florinhas envergonhadas deitaram a cabeça fora de terra.
Foi uma alegria na casa. Até parecia que tinha nascido um bebé na família.
A toda a hora andavam de roda das florinhas a dar-lhes de beber, a protegê-las do vento áspero ou do sol de Março que as pudesse crestar.
Mas o senhor Jacinto era daqueles que, quando encontram a felicidade, não descansam enquanto não pegam felicidade aos outros.
– Sabes uma coisa? – disse ele uma tarde à mulher. – Tenho andado a pensar que é uma pena haver só a nossa varanda florida em todo o bairro. Porque não havemos de entusiasmar os vizinhos a fazer o mesmo que nós fizemos?
– Isso era bom, mas como? – perguntou a dona Hortense, já interessada.
– Agora está muito em moda a publicidade. Juntamente com as carcaças ou os cacetes (o senhor Jacinto era padeiro) eu oferecia um brinde aos fregueses: um pacotinho de sementes! Assim, eles, com o desejo do brinde, compravam mais pão. Eu ficava a ganhar e eles também; porque cada qual podia ter um jardim pequenino em sua casa.
– Que lindo! Pão e flores! É quase o milagre da Rainha Santa Isabel – exclamou a Rosinha.
E a Margarida, que tinha muito jeito para desenho, foi logo fazer um cartaz para o pai colocar na montra da padaria.
Dizia assim: NEM SÓ DE PÃO VIVE O HOMEM. COMPRE UM PÃO E GANHE UM JARDIM FLORIDO.

Maria Isabel Mendonça Soares, Contos no Jardim

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