Era uma tarde já quente mas a água do ribeiro ainda estava muito fria para se poder tomar banho e o rapaz estava deitado de bruços na pequena praia de areia, distraído a fazer uma construção com pedras e ramos de árvores. De repente ouviu um grande barulho na água atrás de si e voltou-se ainda a tempo de ver um enorme peixe que dava um salto imenso fora de água. Todo torcido como se fosse uma bailarina: e, depois de ficar um instante suspenso no ar, olhando tudo à roda, caiu outra vez dentro de água, com um grande estardalhaço, salpicando água até onde estava o rapaz. Este quieto de medo, porque nunca tinha visto um peixe daquele tamanho e nem sabia que os peixes podiam dar saltos tão grandes fora de água. Sem saber o que fazer e até sem coragem para fugir o rapaz ficou a olhar para a água e viu claramente o peixe que nadava de um lado para o outro, como se fosse dono do lago. Mas o mais extraordinário é que daí a bocado o peixe tirou metade do corpo fora da água, como se estivesse em pé no fundo, e pôs-se a olhar para o rapaz com um sorriso na sua boca enorme. E, depois, como se fosse um sonho, o rapaz ouviu o peixe a falar, com uma voz estranha, que parecia ir ao fundo do rio:
- Olá, rapaz Tu vives aqui2 — perguntou o peixe, com muito bons modos.
- Vi-vi-vo — gaguejou o rapaz, ainda a tremer de medo.
- Ah -- disse o peixe — esta é um sitio muito bonito. O ribeiro é muito bonito, a agua é muito limpa e há várias pedras onde se pode construir uma casa. Este lago é teu?
- E, é, m-meu — disse o rapaz. E on-onde eu tomo banho no Verão e onde eu brin-brinco sempre que não está a cho-chover. Mas, diz-me uma coisa, peixe — a rapaz encheu-se de coragem — Como é que tu falas a língua das pessoas?
- Ah, isso é a história da minha vida. Queres ouvi-la?
- Quero — disse o rapaz, já cheio de curiosidade.
- Pois bem, vou contar-te.
Miguel Sousa Tavares, O Segredo do Rio, Oficina do Livro
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