sexta-feira, 13 de março de 2009

A CAIXINHA DE MÚSICA

Catarina não gostava da cara que tinha. Achava-se feia, com o seu nariz arrebitado, a boca grande e os olhos muito pequeninos.
Na escola, as crianças não queriam brincar com ela. Preferiam outras companhias.
Corriam pelo pátio, muito alegres, fazendo jogos em que Catarina nunca conseguia entrar.
Quando a campainha tocava, no fim das aulas, pegava na pasta de cabedal castanho, punha-a às costas e ia sem pressa para casa, colada às paredes, com medo das sombras, dos gracejos dos rapazes mais crescidos. Com medo de tudo que pudesse tornar ainda mais triste a sua vida.
«Tens mesmo cara de bolacha.» – dissera-lhe, dias antes, uma rapariga da sua turma.
Ficou muito magoada com aquelas palavras que lhe acertaram em cheio, como uma pedrada, em pleno coração.
E lá andava ela com os seus olhos pequeninos e tristes, com os pés para o lado, a ver se descobria alguém que conseguisse gostar dela, nem que fosse só um bocadinho.
No caminho para casa encontrava todos os dias o homem do realejo.
Era muito velho e estava sempre a sorrir. Trazia, poisado no ombro, um grande papagaio de muitas cores que passava o tempo todo a dormitar.
Quase ninguém reparava no velho que tocava cantigas muito antigas, à esquina de duas ruas sem sol. Era um homem solitário.
Quando fez anos, Catarina levou-lhe uma fatia de bolo de aniversário, com cerejas cristalizadas e algumas velas em cima. O velho ficou muito comovido, guardou o bolo dentro de um saco branco e foi-se embora, para ela não ver a sua cara enrugada cheia de lágrimas.
Um dia, quando saiu da escola, foi procurar o seu amigo. Deixou que ele lhe agarrasse na mão e ouviu-o dizer numa voz muito sumida:
«Vim hoje aqui com muito sacrifício só para te dizer adeus. Vou partir para muito longe, mas gostava de te deixar uma recordação minha». Meteu a mão no bolso do sobretudo e tirou uma pequena caixa de música.
«Esta caixinha é muito, muito velha. Nem se sabe ao certo a sua idade. Sempre que
a abrires e tiveres um desejo ele há-de realizar-se imediatamente».
Catarina ficou muito contente a olhar para a caixa e quando quis agradecer ao amigo já não o encontrou.
Catarina levou para casa a caixinha de música e escondeu-a com muito cuidado para ninguém a descobrir. O desejo não demorou a surgir: queria deixar de ser feia.
Pôs-se à frente do espelho, abriu a caixa e pensou no seu desejo com quanta força tinha. Da caixinha saía uma música muito bonita. Catarina olhou para o espelho cheio de receio de que o sonho não se tivesse tornado realidade. Mas não. Ninguém iria acreditar quando a visse com a sua nova cara, o ar alegre e bem disposto.
A sua vida modificou-se completamente. Passou a ter amigos. Já ninguém falava da sua cara, da sua maneira esquisita de andar.
Um dia perdeu a caixinha de música. Ao fim de uns dias, a magia começou a desaparecer lentamente. A boca alargou, os olhos voltaram a ficar muito pequenos.
Sentiu de novo uma grande tristeza e apeteceu-lhe fugir para muito longe ou nunca
mais sair de casa.
Ao fim de algum tempo, acabou por se decidir: começou a sair à rua, a ir à escola.
E, com grande surpresa sua, os companheiros de escola, os amigos falavam-lhe como se nada tivesse acontecido, como se a sua cara não tivesse voltado ao que era dantes.
A tristeza desapareceu e Catarina percebeu que o importante não é a cara que as pessoas têm mas a forma como são na vida, no mundo, como sabem ser solidárias com os outros.

José Jorge Letria, Histórias quase Fantásticas,Edições Ró (adaptado)

6 comentários:

  1. achei uma historia muito comovente e com uma liçao de moral.Nao se deve julgar as pessoas pelo seu aspecto fisico,mas sim pela sua beleza interior!

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  2. gosto muito do seu excerto nas provas de aferição de 2007 português.estou a continuar a sua historia

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  3. Continuação de caixinha de música


    …passado três anos , já Catarina tinha outra estrutura de corpo, mas nunca mudava os olhos ,a boca ,o nariz etc. Quando Catarina encontrou o velho deu um grande abraço e disse:
    -Que bom vê-lo! -exclamou ela.
    -Obrigada e igualmente. -finalizou o velho realejo.
    Dado as circunstâncias Catarina esqueceu-se de perguntar, para onde tinha ele ido. Ele respondeu:
    -Fui visitar um velho amigo, chamado José.
    -Desculpe ser cusca ,mas aonde
    -A Malásia! É um sitio espantoso.
    -Foi de avião? -perguntou ela
    -Sim
    -Com que dinheiro?
    -Qual dinheiro , qual quê, foi uma caixa de música, que alguém a tinha perdido!
    -Pois -toda corada
    Foram falando sobre os seus dias ,aventuras e mesmo desperdícios.
    Passado praticamente um mês, o velho arranjou dois bilhetes , que o José prometera. Era uma pequena surpresa.
    Fizeram as malas e toca a andar.
    Catarina quando lá chegou viu: areia branca, praia deserta, água quente enfim. Ficou lá dois messes(Julho e Agosto),quando voltou para Portugal contou e mostrou aos amigos as aventuras que lhe acontecera.


    FIM!

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  4. armanda araújo fernandes23 de maio de 2011 às 05:56

    Texto muito bonito, escrito por alguém com um coração muito generoso.Todos nós temos a nossa "caixinha de música", que nos ajuda a ignorar o desrespeito dos outros, seja qual for a nossa idade...saibamos conserva-la ao longo da vida! Obrigada.

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  5. Eu gostei muito da história! Esta história da para outras pessoas entenderem que não podemos ter só amigos bonitos também devemos ser amigos daqueles que não são muito bonitos

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