Chamava-se João e vivia com a mãe.
Eram pobres, muito pobres. A mãe trabalhava todo o dia fiando na roca, mas os rendimentos eram poucos.
João não gostava de trabalhar e a mãe sofria por ver que ele era muito preguiçoso.
No Verão, passava os dias deitado ao sol, à porta de casa; e no Inverno, sentava-se todo encolhido ao pé do lume da lareira.
Chamavam-lhe o João preguiçoso e era um bocadinho parvo.
Cansada de tanto o repreender, a mãe, um dia resolveu abandoná-lo.
Então, pela primeira vez, o João pensou em trabalhar. E trabalhou um dia inteiro por conta de um lavrador, que à noitinha lhe entregou uma moeda de cobre. Mas o João perdeu a moeda e quando chegou a casa e viu que a tinha perdido, mostrou-se contrariado.
– És tonto! – disse-lhe a mãe. – Se a tivesses guardado no bolso, não a tinhas perdido.
– Para a outra vez hei-de fazer assim.
No dia seguinte foi trabalhar por conta de um leiteiro, que lhe pagou o trabalho com uma bilha de leite.
João aceitou a bilha de leite e despejou o líquido no bolso da jaqueta, encaminhando-se para casa a cantarolar, contente, a moda do balancé.
Chegou com o fato todo sujo, e na mão a bilha vazia.
– Estás cada vez mais idiota! – exclamou a mãe. – Devias trazer a bilha à cabeça, refinadíssimo parvo!
– Verá que para a outra vez não terá que ralhar comigo.
No dia seguinte, foi trabalhar para uma queijaria. À noitinha, o dono recompensou os seus serviços com um belo queijo fresco. João pô-lo à cabeça e dirigiu-se rapidamente para casa.
Como o queijo era muito fresco foi-se desmanchando e partindo, e o João chegou a casa com os cabelos empastados e a cara toda lambuzada.
– És um cabeça-de-alho-chocho – disse a mãe. – Então tu não te lembraste de que era melhor trazê-lo nas mãos?
– Para a outra vez, minha mãe; agora não há remédio.
No dia seguinte, foi trabalhar para casa de uma velha professora de crianças, que lhe deu um gato cinzento, muito felpudo e bonito. João tratou de o levar aconchegado nas mãos, mas o gato barafustava, e acabou por fugir…
– És um estúpido, não há que ver! Se o trouxesses atrás de ti, atado com um cordel, nada disso acontecia.
– Não te zangues, minha mãe; verás que para a próxima já sei como hei-de fazer.
No dia seguinte foi trabalhar para um açougueiro. Em paga dos seus serviços recebeu uma bela perna de carneiro. João atou-lhe uma corda e encaminhou-se para casa, levando-a pelo chão atrás de si. É fácil supor em que estado chegou a carne, arrastada pela poeira e pelo barro dos caminhos.
Desta vez a mãe perdeu a paciência, porque só tinha para a ceia um pedaço de pão duro.
– O que tu precisavas era que eu te desse uma sova. Porque é que não trouxeste a perna de carneiro ao ombro?
– Perdoa, mãe; não sabia. Para o outra vez já sei.
No dia seguinte foi trabalhar com um negociante de gado, que em paga lhe deu um burro. João era bastante robusto; no entanto, só depois dum grande esforço conseguiu pôr o animal ao ombro, e com a maior dificuldade podia dar algum passo.
A meio do caminho havia uma casa onde morava um lavrador muito rico que tinha uma filha surda-muda. Os médicos diziam que quando alguém a fizesse rir de vontade, ficaria a falar e a ouvir.
Aconteceu que o João passou com o burro às costas precisamente no momento em que a pequena se aproximava da janela.
O animal, de barriga para o ar, debatia-se, roncava, tão ridículo, tão cómico, que ela soltou uma gargalhada, vibrante, clara, saudável!
O pai acudiu, ansioso, verificando que a sua filha falava, cantava, ria, numa alegria infantil, encantadora e profunda.
Depois de alguma conversa, ajustou-se o casamento. Casou com ela o João. E o João ganhou juízo, e foi feliz com a mulher.
António Botto, Histórias do Arco da Velha, Minerva Ed.