− Por que estás sempre com esse ar superior? − perguntou o triângulo.
− Porque sou indispensável. − explicou o quadrado. − Não sei se já reparaste mas, sem mim, no Egipto não haveria pirâmides! És cego?
− Tu é que pareces cego de vaidade! Não te apercebeste que, nós, os triângulos, somos as faces laterais das pirâmides? − questionou o triângulo.
− Sim, mas eu também estou na pirâmide, sou a base. Sem mim não haveria…
− Cala-te, que eu estou farto de te ouvir e sem ti haveria muita coisa! Tu tens que admitir que nas pirâmides estás no chão, na base quero eu dizer, e se tirarem uma fotografia às pirâmides, tu não apareces, pois estás por baixo!
Somos nós que percorremos o mundo, nas fotografias dos turistas.
− Mas toda a gente sabe que eu lá estou, e aliás sem mim…
− Pára! Eu já percebi que não mudas de ideias, mas olha, também há pirâmides triangulares! E esta, hem?
− Ora, ora se cortarem uma parte de mim, podemos ter uma pirâmide, meu caro, e não só, também é possível obter outros sólidos!
− És mesmo convencido! Sofres de “superioridade”?
− Bem, desculpa mas tenho de ir embora − gozou o quadrado. – Tenho uma sessão de autógrafos, sabes como é… Ai não, tu não sabes, aliás como poderias saber? É que eu tenho fãs, muitos fãs. Bye-bye!
Passados alguns dias, o quadrado ficou doente, uma forte constipação fê-lo ficar com os seus quatro ângulos rectos infeccionados, dois pareciam obtusos e os outros dois agudos. Coitado, estava feito num trapézio! Os serviços do quadrado foram então solicitados, pelos alunos de uma escola, numa tarefa de investigação matemática e não tinham quem o pudesse substituir. Foi então organizada uma reunião urgente entre polígonos:
− Como será que vamos substituir o quadrado? − perguntou o chefe que era um experiente icoságono.
− Já sei − exclamou um dos triângulos. − Nós, os triângulos, se nos juntarmos dois a dois formamos um quadrado!
Grita de um canto um preguiçoso triângulo obtusângulo e escaleno, tentando fugir ao trabalho:
− Não podem ser quaisquer triângulos!
Um hexágono irregular, habituado às irritações dos triângulos obtusângulos, compreendendo o que ele quis dizer, explicou melhor a sua ideia:
− Não se esqueçam que só aos triângulos rectângulos é que se pode atribuir
a tarefa de substituir o quadrado.
Timidamente, um losango questionou:
− E pode ser qualquer triângulo rectângulo?
Neste momento todos os triângulos começaram a tentar arranjar par, a encaixarem-se noutros triângulos, mas nem sempre resultava muito bem…
Depois de um grande corrupio, verificou-se que apenas os triângulos rectângulos e isósceles é que podiam transformar-se num quadrado.
E assim foi, foram então escolhidos dois triângulos deste tipo, eleitos entre todos os polígonos presentes na reunião, para substituir o quadrado. E pode dizer-se que a tarefa foi um êxito! Os triângulos rectângulos e isósceles, substituíram o quadrado na perfeição! Até houve quem não se apercebesse da inevitável troca.
Sabendo do que se passou, no dia seguinte, o quadrado foi falar com os triângulos substitutos, já com uma atitude bem diferente.
− Eeeuu…eeu…eu…eu soube que fostes vós, que me substituístes…
− Sim fomos nós, porquê? Vais criticar-nos, é? Achas que não estivemos à altura?
− N…não, antes pelo contrário, eu queria agradecer-vos. Eu fui muito injusto em relação aos triângulos e aos outros polígonos. Durante o período em que estive doente, pude reflectir um pouco, e cheguei à conclusão de que estava cego de presunção até à pontinha dos meus quatro vértices. Acho que aprendi uma lição, nenhum de nós é insubstituível no mundo dos polígonos, qualquer um de nós pode ser obtido por decomposição de outros polígonos, ou construído com a sua união. Agradeço-vos por terem sido solidários comigo, mesmo depois das minhas feias atitudes foram capazes de me substituir, não tentando colher quaisquer dividendos com isso. Isso sim é que é atitudes de polígonos amigos, amigos verdadeiros.
O quadrado foi sincero no seu pedido de desculpas e a verdade é que agora quadrados e triângulos parecem mais unidos. Até há quem os considere os melhores amigos. Nunca mais ninguém teve queixas do quadrado.
Susana Gomes, Histórias com… matemática