- Estou aqui - gritou a Menina do Mar.
O polvo, o caranguejo e o peixe, mal a viram, pararam de chorar e atiraram-se os três como cães aos pés do rapaz e começaram outra vez a mordê-lo e a picá-lo. O polvo com os seus oito braços chicoteava-lhe as pernas.
- Estejam quietos, parem, não lhe façam mal, ele é meu amigo e não me vai fritar - gritou-lhes a Menina do Mar.
O polvo, o caranguejo e o peixe interromperam a pancadaria, espantadíssimos com estas palavras.
O rapaz baixou-se e pôs a menina na água ao pé dos seus três amigos, que davam saltos de alegria e muitas gargalhadas. Pediu à Menina do Mar, ao polvo, ao caranguejo e ao peixe para voltarem no dia seguinte à mesma hora àquele mesmo sítio.
- Tenho tanta curiosidade da Terra – disse a Menina, - amanhã, quando vieres,
traz-me uma coisa da terra.
E assim ficou combinado.
No dia seguinte, logo de manhã. o rapaz foi ao seu jardim e colheu uma rosa encarnada muito perfumada. Foi para a praia e procurou o lugar da véspera.
-Bom-dia, bom-dia, bom-dia - disseram a Menina, o polvo, o caranguejo e o peixe.
-Bom-dia - disse o rapaz. E ajoelhou-se na água, em frente da Menina do Mar.
- Trago-te aqui uma flor da terra - disse; chama-se uma rosa.
-É linda, é linda - disse a Menina do Mar, dando palmas de alegria e correndo e saltando em roda da rosa.
- Respira o seu cheiro para veres como é perfumada.
A Menina pôs a sua cabeça dentro do cálice da rosa e respirou longamente. Depois levantou a cabeça e disse suspirando:
- É um perfume maravilhoso. No mar não há nenhum perfume assim. Mas estou tonta e um bocadinho triste. As coisas da terra são esquisitas. São diferentes das coisas do mar. No mar há monstros e perigos, mas as coisas bonitas são alegres. Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.
- Isso é por causa da saudade - disse o rapaz.
- Mas o que é a saudade? - perguntou a Menina do Mar.
- A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão
embora.
- Ai! - suspirou a Menina do Mar olhando para a Terra. Por que é que me mostraste a rosa? Agora estou com vontade de chorar.
O rapaz atirou fora a rosa e disse:
- Esquece-te da rosa e vamos brincar.
E foram os cinco, o rapaz, a Menina, o polvo, o caranguejo e o peixe pelos carreirinhos de água, rindo e brincando durante a manhã toda.
Até que a maré começou a subir e o rapaz teve que se ir embora.
No dia seguinte, de manhã, tornaram a encontrar-se todos no sítio do costume.
- Bom-dia - disse a Menina. - O que é que me trouxeste hoje?
- Tenho tanta curiosidade da Terra – disse a Menina, - amanhã, quando vieres,
traz-me uma coisa da terra.
E assim ficou combinado.
No dia seguinte, logo de manhã. o rapaz foi ao seu jardim e colheu uma rosa encarnada muito perfumada. Foi para a praia e procurou o lugar da véspera.
-Bom-dia, bom-dia, bom-dia - disseram a Menina, o polvo, o caranguejo e o peixe.
-Bom-dia - disse o rapaz. E ajoelhou-se na água, em frente da Menina do Mar.
- Trago-te aqui uma flor da terra - disse; chama-se uma rosa.
-É linda, é linda - disse a Menina do Mar, dando palmas de alegria e correndo e saltando em roda da rosa.
- Respira o seu cheiro para veres como é perfumada.
A Menina pôs a sua cabeça dentro do cálice da rosa e respirou longamente. Depois levantou a cabeça e disse suspirando:
- É um perfume maravilhoso. No mar não há nenhum perfume assim. Mas estou tonta e um bocadinho triste. As coisas da terra são esquisitas. São diferentes das coisas do mar. No mar há monstros e perigos, mas as coisas bonitas são alegres. Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.
- Isso é por causa da saudade - disse o rapaz.
- Mas o que é a saudade? - perguntou a Menina do Mar.
- A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão
embora.
- Ai! - suspirou a Menina do Mar olhando para a Terra. Por que é que me mostraste a rosa? Agora estou com vontade de chorar.
O rapaz atirou fora a rosa e disse:
- Esquece-te da rosa e vamos brincar.
E foram os cinco, o rapaz, a Menina, o polvo, o caranguejo e o peixe pelos carreirinhos de água, rindo e brincando durante a manhã toda.
Até que a maré começou a subir e o rapaz teve que se ir embora.
No dia seguinte, de manhã, tornaram a encontrar-se todos no sítio do costume.
- Bom-dia - disse a Menina. - O que é que me trouxeste hoje?
O rapaz pegou na Menina do Mar, sentou-a numa rocha e ajoelhou-se a seu
lado.
- Trouxe-te isto - disse. - E uma caixa de fósforos.
- Não é muito bonito - disse a Menina.
- Não; mas tem lá dentro uma coisa maravilhosa, linda e alegre que se chama o fogo. Vais ver. E o rapaz abriu a caixa e acendeu um fósforo.
A Menina deu palmas de alegria e pediu para tocar no fogo.
- Isso - disse o rapaz - é impossível. O fogo é alegre mas queima.
- É um sol pequenino - disse a Menina do Mar.
- Sim - disse o rapaz - mas não se lhe pode tocar.
E o rapaz soprou o fósforo e o fogo apagou-se.
- Tu és bruxo - disse a Menina - sopras e as coisas desaparecem.
- Não sou bruxo. O fogo é assim. Enquanto é pequeno qualquer sopro o apaga.
Mas depois de crescido pode devorar florestas e cidades.
- Então o fogo e pior do que a Raia? - perguntou - a Menina.
- É conforme. Enquanto o fogo é pequeno e tem juízo é o maior amigo do homem: aquece-o no Inverno, cozinha-lhe a comida, alumia-o durante. a noite.
Mas quando o fogo cresce de mais, zanga-se, enlouquece e fica mais ávido, mais cruel e mais perigoso do que todos os animais ferozes.
- As coisas da terra são esquisitas e diferentes - disse a Menina do Mar. Conta-me mais coisas da terra.
Então sentaram-se os dois dentro de água e o rapaz contou-lhe como era a sua casa e o seu jardim e como eram as cidades e os campos, as florestas e as estradas.
- Ah! como eu gostava de ver isso tudo - disse a Menina cheia de curiosidade.
- Vem comigo - disse o rapaz - eu levo-te à terra e mostro-te coisas lindas.
- Não posso porque sou uma Menina do Mar. O mar é a minha terra. Tu se vieres para o mar afogas-te. E eu se for para a terra seco. Não posso estar muito tempo fora de água. Fora de água fico como as algas na maré vaza, que ficam todas enrugados e secas. Se eu saísse do mar, ao fim de algumas horas ficava igual a um farrapo de roupa velha ou a um papel de jornal, destes que às vezes há nas praias e que têm um ar tão triste e infeliz de coisa que já não serve e que foi deitada fora e que já ninguém quer.
- Que pena que eu tenho de não te poder mostrar a terra! – disse o rapaz.
- E eu que pena tenho de não te poder levar comigo ao fundo do mar para te mostrar as florestas de algas, as grutas de corais e os jardins de anémonas!
E nessa manhã o rapaz e a Menina, enquanto nadavam na água, iam contando um ao outro as histórias do mar e as histórias da terra.
Até que a maré subiu e despediram-se.
No dia seguinte o rapaz chegou à praia, sentou-se ao lado da Menina do Mar e
disse:
- Hoje trago-te uma coisa da terra que é bonita e tem lá dentro alegria.
Chama-se vinho. Quem bebe fica cheio de alegria.
Enquanto dizia isto o rapaz pousou na ar um copo cheio de vinho. Era um daqueles copos muito pequenos que servem para beber licores. A Menina do Mar segurou o copo com as duas mãos e olhou o vinho cheia de curiosidade, respirando o seu perfume.
- É muito encarnado e muito perfumado - disse ela. - Conta-me o que é o vinho.
- Na terra - respondeu o rapaz - há uma planta que se chama videira. No Inverno parece morta e seca. Mas na Primavera enche-se de folhas e no Verão enche-se de frutos que se chamam uvas e que crescem em cachos. E no Outono os homens colhem os cachos de uvas e põem-nos em grandes tanques de pedra onde os pisam até que o seu sumo escorra. E a esse sumo dos frutos da videira que chamamos o vinho. Esta é a história do vinho, mas o seu sabor não o sei contar. Bebe se queres saber como é.
E a Menina bebeu o vinho, riu-se e disse:
- É bom e é alegre. Agora já sei o que é a terra. Agora já sei o que é o sabor da Primavera, do Verão e do Outono. Já sei o que é o sabor dos frutos. Já sei o que é a frescura das árvores. Já sei como é o calor duma montanha ao sol. Leva-me a ver a terra. Eu quero ir ver a terra. Há tantas coisas que eu não sei. O mar é uma prisão transparente e gelada. No mar não há Primavera nem Outono. No mar o tempo não morre. As anémonas estão sempre em flor e a espuma é sempre
branca. Leva-me a ver a terra.
- Tenho uma ideia - disse o rapaz. - Amanhã trago um balde e encho-o com água do mar e algas. E tu pões-te dentro do balde para não secares e eu levo-te comigo a ver a terra.
- Está bem - disse a Menina. - Amanhã vou contigo dentro do balde de água. E vou ver a tua casa e vou ver o teu jardim e vou ver passar os comboios: e vou ver a noite numa cidade cheia de luzes, de gente e de carros. E vou ver os animais da terra, os cães, os cavalos, os gatos: e vou ver as montanhas, as florestas e todas as coisas que me contaste.
E assim o rapaz e a Menina do Mar passaram o resto da manhã a fazer planos para a aventura do dia seguinte. Até que a maré subiu e o rapaz foi-se embora.
lado.
- Trouxe-te isto - disse. - E uma caixa de fósforos.
- Não é muito bonito - disse a Menina.
- Não; mas tem lá dentro uma coisa maravilhosa, linda e alegre que se chama o fogo. Vais ver. E o rapaz abriu a caixa e acendeu um fósforo.
A Menina deu palmas de alegria e pediu para tocar no fogo.
- Isso - disse o rapaz - é impossível. O fogo é alegre mas queima.
- É um sol pequenino - disse a Menina do Mar.
- Sim - disse o rapaz - mas não se lhe pode tocar.
E o rapaz soprou o fósforo e o fogo apagou-se.
- Tu és bruxo - disse a Menina - sopras e as coisas desaparecem.
- Não sou bruxo. O fogo é assim. Enquanto é pequeno qualquer sopro o apaga.
Mas depois de crescido pode devorar florestas e cidades.
- Então o fogo e pior do que a Raia? - perguntou - a Menina.
- É conforme. Enquanto o fogo é pequeno e tem juízo é o maior amigo do homem: aquece-o no Inverno, cozinha-lhe a comida, alumia-o durante. a noite.
Mas quando o fogo cresce de mais, zanga-se, enlouquece e fica mais ávido, mais cruel e mais perigoso do que todos os animais ferozes.
- As coisas da terra são esquisitas e diferentes - disse a Menina do Mar. Conta-me mais coisas da terra.
Então sentaram-se os dois dentro de água e o rapaz contou-lhe como era a sua casa e o seu jardim e como eram as cidades e os campos, as florestas e as estradas.
- Ah! como eu gostava de ver isso tudo - disse a Menina cheia de curiosidade.
- Vem comigo - disse o rapaz - eu levo-te à terra e mostro-te coisas lindas.
- Não posso porque sou uma Menina do Mar. O mar é a minha terra. Tu se vieres para o mar afogas-te. E eu se for para a terra seco. Não posso estar muito tempo fora de água. Fora de água fico como as algas na maré vaza, que ficam todas enrugados e secas. Se eu saísse do mar, ao fim de algumas horas ficava igual a um farrapo de roupa velha ou a um papel de jornal, destes que às vezes há nas praias e que têm um ar tão triste e infeliz de coisa que já não serve e que foi deitada fora e que já ninguém quer.
- Que pena que eu tenho de não te poder mostrar a terra! – disse o rapaz.
- E eu que pena tenho de não te poder levar comigo ao fundo do mar para te mostrar as florestas de algas, as grutas de corais e os jardins de anémonas!
E nessa manhã o rapaz e a Menina, enquanto nadavam na água, iam contando um ao outro as histórias do mar e as histórias da terra.
Até que a maré subiu e despediram-se.
No dia seguinte o rapaz chegou à praia, sentou-se ao lado da Menina do Mar e
disse:
- Hoje trago-te uma coisa da terra que é bonita e tem lá dentro alegria.
Chama-se vinho. Quem bebe fica cheio de alegria.
Enquanto dizia isto o rapaz pousou na ar um copo cheio de vinho. Era um daqueles copos muito pequenos que servem para beber licores. A Menina do Mar segurou o copo com as duas mãos e olhou o vinho cheia de curiosidade, respirando o seu perfume.
- É muito encarnado e muito perfumado - disse ela. - Conta-me o que é o vinho.
- Na terra - respondeu o rapaz - há uma planta que se chama videira. No Inverno parece morta e seca. Mas na Primavera enche-se de folhas e no Verão enche-se de frutos que se chamam uvas e que crescem em cachos. E no Outono os homens colhem os cachos de uvas e põem-nos em grandes tanques de pedra onde os pisam até que o seu sumo escorra. E a esse sumo dos frutos da videira que chamamos o vinho. Esta é a história do vinho, mas o seu sabor não o sei contar. Bebe se queres saber como é.
E a Menina bebeu o vinho, riu-se e disse:
- É bom e é alegre. Agora já sei o que é a terra. Agora já sei o que é o sabor da Primavera, do Verão e do Outono. Já sei o que é o sabor dos frutos. Já sei o que é a frescura das árvores. Já sei como é o calor duma montanha ao sol. Leva-me a ver a terra. Eu quero ir ver a terra. Há tantas coisas que eu não sei. O mar é uma prisão transparente e gelada. No mar não há Primavera nem Outono. No mar o tempo não morre. As anémonas estão sempre em flor e a espuma é sempre
branca. Leva-me a ver a terra.
- Tenho uma ideia - disse o rapaz. - Amanhã trago um balde e encho-o com água do mar e algas. E tu pões-te dentro do balde para não secares e eu levo-te comigo a ver a terra.
- Está bem - disse a Menina. - Amanhã vou contigo dentro do balde de água. E vou ver a tua casa e vou ver o teu jardim e vou ver passar os comboios: e vou ver a noite numa cidade cheia de luzes, de gente e de carros. E vou ver os animais da terra, os cães, os cavalos, os gatos: e vou ver as montanhas, as florestas e todas as coisas que me contaste.
E assim o rapaz e a Menina do Mar passaram o resto da manhã a fazer planos para a aventura do dia seguinte. Até que a maré subiu e o rapaz foi-se embora.
No outro dia o rapaz veio para as rochas com o balde. Vinha muito alegre, entusiasmado com o seu projecto, cantando e dando saltos. Mas quando chegou à poça de água encontrou a Menina do Mar com um ar muito desesperado e o polvo, o caranguejo e o peixe todos três com cara de caso.
- Bom-dia - disse o rapaz. Trago aqui o balde. Vamos embora depressa.
- Eu não posso ir - disse a Menina do Mar. E desatou a chorar como uma fonte.
- Mas porquê? - perguntou o rapaz.
- Por causa dos búzios. Os búzios têm muito bom ouvido, ouvem tudo, são os ouvidos do mar. E ouviram as nossas conversas e foram contá-las à Raia que ficou furiosa e agora eu já não posso ir contigo.
- Mas a Raia não está aqui. Mete-te dentro do balde e vamos embora depressa.
- É impossível - disse a Menina do Mar. A Raia ordenou aos polvos que não me deixassem passar. As rochas estão cheias de polvos escondidos que nós não vemos, mas que nos vêem e espiam cada um dos nossos gestos. Tenho que te dizer adeus para sempre. Amanhã já não volto aqui porque a Raia, para me castigar de eu ter querido fugir, decidiu que esta noite ao nascer da Lua eu serei levada pelos polvos, para uma praia distante, que eu não sei como se chama, nem onde fica. E nunca mais nos poderemos encontrar.
- Vamos experimentar fugir - disse o rapaz. Eu com as minhas duas pernas corro mais do que os polvos com os seus oito braços, que nem são braços nem são pernas.
E, tendo dito isto, pôs a Menina do Mar dentro do balde e pôs-se a correr. Mas, no mesmo instante, as rochas cobriram-se de polvos. Para qualquer lado que ele olhasse só via polvos. Procurou uma aberta por onde passar mas não havia nenhuma. Em sua roda os polvos tinham feito um círculo fechado. E ele estava no meio do círculo e não podia fugir. Então tentou saltar por cima dos polvos, mas logo dezenas de tentáculos lhe ataram as pernas.
- Larga-me, larga-me - dizia a Menina do Mar. Larga-me senão matam-te.
- Não, não te largo - respondeu o rapaz.
Mas já os polvos lhe envolviam a cintura e o peito, lhe prendiam os ombros, lhe atavam os pulsos e ele caiu nas rochas sem poder fazer nenhum gesto. Mas a sua mão ainda não tinha largado o balde. Até que um polvo se enrolou à roda do seu pescoço e o foi apertando lentamente. Então o rapaz viu o céu ficar preto, deixou de ouvir o barulho das ondas e esqueceu-se de tudo. Estava desmaiado. Acordou com a água a bater-lhe na cara. A maré tinha subido e as ondas já quase cobriam a rocha onde ele estava caído. Levantou-se e todo o seu corpo ainda lhe doía, coberto de marcas deixadas pelas ventosas dos polvos. Foi para casa devagar.
Passaram dias e dias. O rapaz voltou muitas vezes às rochas, mas nunca mais viu a Menina nem os seus três amigos. Era como se tudo tivesse sido um sonho.
Até que chegou o Inverno. O tempo estava frio, o mar cinzento e chovia quase todos os dias. E numa manhã de nevoeiro o rapaz sentou-se na praia a pensar na Menina do Mar.
- Bom-dia - disse o rapaz. Trago aqui o balde. Vamos embora depressa.
- Eu não posso ir - disse a Menina do Mar. E desatou a chorar como uma fonte.
- Mas porquê? - perguntou o rapaz.
- Por causa dos búzios. Os búzios têm muito bom ouvido, ouvem tudo, são os ouvidos do mar. E ouviram as nossas conversas e foram contá-las à Raia que ficou furiosa e agora eu já não posso ir contigo.
- Mas a Raia não está aqui. Mete-te dentro do balde e vamos embora depressa.
- É impossível - disse a Menina do Mar. A Raia ordenou aos polvos que não me deixassem passar. As rochas estão cheias de polvos escondidos que nós não vemos, mas que nos vêem e espiam cada um dos nossos gestos. Tenho que te dizer adeus para sempre. Amanhã já não volto aqui porque a Raia, para me castigar de eu ter querido fugir, decidiu que esta noite ao nascer da Lua eu serei levada pelos polvos, para uma praia distante, que eu não sei como se chama, nem onde fica. E nunca mais nos poderemos encontrar.
- Vamos experimentar fugir - disse o rapaz. Eu com as minhas duas pernas corro mais do que os polvos com os seus oito braços, que nem são braços nem são pernas.
E, tendo dito isto, pôs a Menina do Mar dentro do balde e pôs-se a correr. Mas, no mesmo instante, as rochas cobriram-se de polvos. Para qualquer lado que ele olhasse só via polvos. Procurou uma aberta por onde passar mas não havia nenhuma. Em sua roda os polvos tinham feito um círculo fechado. E ele estava no meio do círculo e não podia fugir. Então tentou saltar por cima dos polvos, mas logo dezenas de tentáculos lhe ataram as pernas.
- Larga-me, larga-me - dizia a Menina do Mar. Larga-me senão matam-te.
- Não, não te largo - respondeu o rapaz.
Mas já os polvos lhe envolviam a cintura e o peito, lhe prendiam os ombros, lhe atavam os pulsos e ele caiu nas rochas sem poder fazer nenhum gesto. Mas a sua mão ainda não tinha largado o balde. Até que um polvo se enrolou à roda do seu pescoço e o foi apertando lentamente. Então o rapaz viu o céu ficar preto, deixou de ouvir o barulho das ondas e esqueceu-se de tudo. Estava desmaiado. Acordou com a água a bater-lhe na cara. A maré tinha subido e as ondas já quase cobriam a rocha onde ele estava caído. Levantou-se e todo o seu corpo ainda lhe doía, coberto de marcas deixadas pelas ventosas dos polvos. Foi para casa devagar.
Passaram dias e dias. O rapaz voltou muitas vezes às rochas, mas nunca mais viu a Menina nem os seus três amigos. Era como se tudo tivesse sido um sonho.
Até que chegou o Inverno. O tempo estava frio, o mar cinzento e chovia quase todos os dias. E numa manhã de nevoeiro o rapaz sentou-se na praia a pensar na Menina do Mar.
Sophia de Mello Breyner Andresen, A Menina do Mar, Figueirinhas
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