Quando começou a abrir a sua primeira flor estava o jardineiro a colher gladíolos.
- Vamos para uma festa - disseram os gladíolos colhidos, que estavam em molho dentro de um cesto.
- Que inveja! - disse o Gladíolo.
E foi a sua primeira palavra.
Em seguida, enquanto o jardineiro se ia embora com o cesto cheio de gladíolos cortados, o Gladíolo olhou para si próprio e pensou:
- Sou um gladíolo!
Depois, olhou para as outras plantas e disse:
- Bom dia, minhas caras amigas.
- Bom dia, bom dia - responderam as flores e as plantas.
- Os gladíolos - disse a glicínia - estão na moda. Estão sempre a ser colhidos. Ainda são mais colhidos do que as rosas e os cravos. Nós nunca somos colhidas porque somos muito difíceis de pôr numa jarra.
O Gladíolo, a partir desse momento, compreendeu que havia duas espécies de flores: as que são colhidas e as que não são colhidas. E pensou:
- Que sorte eu ser um gladíolo! Que sorte eu estar à moda, que sorte eu ir ser colhido!
E pôs-se a arrumar bem as suas flores.
Mas daí a dias o Gladíolo teve um desgosto: a dona da casa veio de manhã ao jardim e disse ao jardineiro que estava a podar o buxo:
- Não quero que colhas mais gladíolos este ano. Estou farta de gladíolos. em todas as festas onde vou só há gladíolos.
- Bem - disse o jardineiro. - Não colho mais gladíolos este ano.
- Que tristeza, que raiva, que pouca sorte! - pensou o Gladíolo muito zangado. Mas resolveu consolar-se.[...]À noite foi à estufa visitar a Orquídea e a Begónia. Na véspera tinha lá estado a despedir-se.
Tinha dito com ar importante.
- Queridas amigas, venho despedir-me porque me parece que amanhã devo ser colhido.
De maneira que a Begónia e a Orquídea ficaram muito espantadas quando o viram aparecer.
- Então não foste colhido? - Perguntaram elas.
- Não, a dona da casa acha que os gladíolos fazem muito falta no jardim e deu ordem ao jardineiro para não os cortar.
- Óptimo - disse a Orquídea - íamos sentir muito a tua falta.
- Já estávamos cheias de saudades - disse a Begónia.
- No fundo - disse a Orquídea - será bom ser colhido?
Então começaram os três a discutir e foi uma conversa muito demorada e muito filosófica mas não chegaram a conclusão nenhuma.
Por fim o Gladíolo cansado de filosofias despediu-se. Foi andando pelos caminhos sob a luz do luar. No fundo do seu coração continuava cheio de pena de não ter sido colhido. Passou perto da casa e parou.
- Vou espreitar a casa - pensou ele - o jardineiro disse que hoje havia visitas.
E aproximou-se de um carvalho antiquíssimo cuja vasta ramagem quase tocava nos muros da casa. Pelas janelas abertas e iluminadas saía a música que se espalhava e flutuava no jardim como um perfume.
- Olá, gladíolo - disse o Carvalho - então ainda não te colheram?
- Não - respondeu o Gladíolo - não posso ser colhido; faço falta no jardim.
- Vieste espreitar a festa? - perguntou o Carvalho.
- Vim, mas daqui vejo pouco.
- Se quiseres podes sentar-te nos meus ramos - ofereceu o Carvalho.
- Obrigada - disse o Gladíolo - aceito o convite.
Sophia de Mello Breyner Andresen, O Rapaz de Bronze, Figueirinhas
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