segunda-feira, 19 de maio de 2008

A Menina do Mar

E enquanto assim estava viu uma gaivota que vinha do mar alto com uma coisa no bico. Era uma coisa brilhante que reflectia luz e o rapaz pensou que devia ser um peixe. Mas a gaivota chegou junto dele, deu urna volta no ar e deixou cair a coisa na areia.
O rapaz apanhou-a e viu que era um frasco cheio duma água muito clara eluminoso.
- Bom-dia, bom-dia - disse a gaivota.
- Bom-dia, bom-dia - respondeu o rapaz. Donde é que vens e porque é que me dás este frasco?
- Venho da parte da Menina do Mar - disse a gaivota. Ela manda-te dizer que já sabe o que é a saudade. E pediu-me para te perguntar se queres ir ter com ela ao fundo do mar.
- Quero, quero - disse o rapaz. Mas como é que eu hei-de ir ao fundo do mar sem me afogar?
- O frasco que te dei tem dentro suco de anémonas e suco de plantas mágicas. Se beberes agora este filtro passarás a ser como a Menina do Mar. Poderás viver dentro da água como os peixes e fora da água como os homens.
- Vou beber já - disse o rapaz.
E bebeu o filtro.
Então viu tudo à sua roda tornar-se mais vivo e mais brilhante. Sentiu-se alegre, feliz, contente como um peixe. Era como se alguma coisa nos seus movimentos tivesse ficado mais livre, mais forte, mais fresca e mais leve.
- Ali no mar - disse a gaivota - está um golfinho à tua espera para te ensinar o caminho.
O rapaz olhou e viu um grande golfinho preto e brilhante dando saltos atrás da arrebentação das ondas. Então disse:
- Adeus, adeus, gaivota. Obrigado, obrigado.
E correu para as ondas e nadou até ao golfinho.
- Agarra-te à minha cauda - disse o golfinho.
E foram os dois pelo mar fora.
Nadaram muitos dias e muitas noites através de calmarias e tempestades. Atravessaram o mar dos Sargaços e viram os peixes voadores. E viram as grandes baleias que atiram repuxos de água para o céu e viram os grandes vapores que deixam atrás de si colunas de fumo suspensas no ar. E viram os icebergues majestosos e brancos na solidão do oceano. E nadaram ao lado dos veleiros que corriam velozes esticados no vento. E os marinheiros gritavam de espanto quando viam um rapaz agarrado à cauda dum golfinho. Mas eles mergulhavam e desciam ao fundo do mar para não serem pescados.
Aí estavam os antigos navios naufragados com os seus cofres carregados de oiro e os seus mastros quebrados cobertos de anémonas e conchas.
Depois de nadarem sessenta dias e sessenta noites chegaram a uma ilha rodeada de corais. O golfinho deu a volta à ilha e por fim parou em frente duma gruta e
disse:
- É aqui: entra na gruta e encontrarás a Menina do Mar.
- Adeus, adeus, golfinho. Obrigado, obrigado.
A gruta era toda de coral e o seu chão era de areia branca e fina. Tinha em frente um jardim de anémonas azuis.
O rapaz entrou na gruta e espreitou. A Menina, o polvo, o caranguejo e o peixe estavam a brincar com conchinhas. Estavam quietos, tristes e calados. De vez em quando a Menina suspirava.
- Estou aqui! Cheguei! sou eu! - gritou o rapaz.
Todos se voltaram para ele. Houve um momento de grande confusão. Todos se abraçaram, todos riam, todos gritavam. A Menina do Mar dançava, batia palmas e ria com gargalhadas claras como a água. O polvo fazia o pino. O caranguejo dava cambalhotas e o peixe dava saltos mortais. Depois de todas estas habilidades ficaram um pouco mais calmos.
Então a Menina do Mar sentou-se no ombro do rapaz e disse:
- Estou tão feliz, tão feliz, tão feliz! Pensei que nunca mais te ia ver. Sem ti o mar, apesar de todas as suas anémonas, parecia triste e vazio. E eu passava os dias inteiros a suspirar. E não sabia o que havia de fazer. Até que um dia o Rei do Mar deu uma grande festa. Convidou muitas baleias, muitos tubarões e muitos peixes importantes. E mandou-me ir ao palácio para eu dançar na festa.
No fim do banquete chegou a altura da minha dança e eu entrei na gruta onde o Rei do Mar estava com os seus convidados, sentado no seu trono de nácar, rodeado de cavalos-marinhos. Então os búzios começaram a cantar uma cantiga antiquíssima que foi inventada no principio do Mundo. Mas eu estava muito triste e por isso dancei muito mal.
- Porque é que estás a dançar tão mal? - perguntou o Rei do Mar.
- Porque estou cheia de saudades - respondi eu.
- Saudades? - disse o Rei do Mar. Que história é essa?
E perguntou ao polvo, ao caranguejo e ao peixe o que tinha acontecido. Eles contaram-lhe tudo. Então o Rei do Mar teve pena da minha tristeza e teve pena de ver uma bailarina que já não sabia dançar. E disse:
- Amanhã de manhã vem ao meu palácio.
No dia seguinte de manhã eu voltei ao palácio. E o Rei do Mar sentou-me no seu ombro e subiu comigo à tona das águas. Chamou uma gaivota, deu-lhe o frasco com o filtro das anémonas e mandou-a ir à tua procura. E foi assim que eu consegui que tu voltasses.
- Agora nunca mais nos separamos - disse o rapaz.
- Agora vais ser forte como um polvo.
- Agora vais ser sábio como um caranguejo - disse o caranguejo.
- Agora vais ser feliz como um peixe - disse o peixe.
- Agora a tua terra é o Mar - disse a Menina do Mar.
E foram os cinco através de florestas, areais e grutas.
No dia seguinte houve outra festa no Palácio do Rei. A Menina do Mar dançou toda a noite e as baleias, os tubarões as tartarugas e todos os peixes diziam:
- Nunca vimos dançar tão bem.
E o Rei do Mar estava sentado no seu trono de nácar, rodeado de cavalos marinhos, e o seu manto de púrpura nas águas.

Sophia de Mello Breyner Andresen, A Menina do Mar, Figueirinhas

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