segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A avó Cremilde

O que a avó Cremilde gosta de trabalhar em lãs!...
E é sempre uma surpresa, uma linda surpresa, o que surge das mãos da avó Cremilde. Porque nunca se vê o trabalho antes de terminar e as medidas estão sempre certas. Nem grandes demais, nem pequenas. Tudo exactamente como é preciso.
De todos estes trabalhos sobram novelinhos que a avó Cremilde guarda na caixa de sapatos, muito apertadinhos uns contra os outros, por serem tantos já.
E os netos da avó Cremilde e os pais deles sentem-se felizes, vestidos com abafos de lã feitos por ela.
Quem não se sente lá muito contente são os restos de lã. Eles todos, que tinham julgado ir fazer parte das blusas, das camisolas, dos gorros, das luvas, das mantas e das botas, encontram-se ali tristes, guardados.
Cada vez chegam mais pequenos novelos. Pretos, cinzentos, vermelhos, rosa, cremes, laranja, roxos...
Cada vez que a tampa se ergue, eles ficam à espera, à espera de sair da caixa; mas é sempre mais um pequeno novelo que vai cair no meio deles. São já tantos que a avó Cremilde tem de os apertar bem apertadinhos...
Um dia, a caixa sentiu que tampa era levantada uma vez mais.
Os novelos já não se interessaram. Devia ser mais um a vir fazer-lhes companhia.
Mas ouviram uma voz de criança exclamar:
- Tantos, tantos, avó, parece o arco-íris...
E calou-se. A avó Cremilde ficou a olhar os pequenos novelos. A olhar, muito calada.
A Inês disse:
- Que foi, avó?
- Nada, minha querida, vai brincar; a avó já vai.
A Inês saiu a correr. A avó Cremilde ficou a olhar, a olhar os novelos. Depois riu-se.
Pegou na caixa destapada. Os novelos, sem perceberem nada, sentiram-se despejados sobre a mesa da sala de costura. A avó Cremilde já tinha ali à mão as suas queridas agulhas.
Escolheu, escolheu as cores, os tamanhos e colocou-os todos arrumadinhos, lá numa ordem que só ela sabia para que servia. E desatou a trabalhar.
Trabalhou toda a tarde e em outras tardes. O que ela estava a fazer, ninguém sabia, como sempre.
Mas, no outro fim-de-semana, quando a Inês voltou a casa da avó e pediu: “Eu queria ver outra vez a caixa das lãs que parecia o arco-íris...”, a avó Cremilde mostrou-lhe a caixa vazia, mas mostrou-lhe também uma boina, um casaquinho e umas luvas de muitas e bonitas cores bem combinadas.
- Oh, avó, tão lindo!...
A Inês, mesmo com cinco anos, compreendeu. Viu que o arco-íris de lã passara da caixa para a boina, o casaco e as luvas.
E, quando a avó lhe disse que aquilo era para ela, ficou tão contente que beijou muitas vezes o rosto engelhado e feliz da avó Cremilde.
Mas, contentes, muito mais contentes que a Inês e a avó, estavam todos os restos de lã por terem saído da caixa de sapatos e se sentirem úteis, transformados naquela boina, naquele casaco e naquelas luvas realmente tão alegres e bonitas, parecendo o arco-íris, tal como, uma semana antes, a Inês afirmara.
Margarida Ofélia,
História de Uma História e Outras

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