E é sempre uma surpresa, uma linda surpresa, o que surge das mãos da avó Cremilde. Porque nunca se vê o trabalho antes de terminar e as medidas estão sempre certas. Nem grandes demais, nem pequenas. Tudo exactamente como é preciso.
De todos estes trabalhos sobram novelinhos que a avó Cremilde guarda na caixa de sapatos, muito apertadinhos uns contra os outros, por serem tantos já.
E os netos da avó Cremilde e os pais deles sentem-se felizes,

Quem não se sente lá muito contente são os restos de lã. Eles todos, que tinham julgado ir fazer parte das blusas, das camisolas, dos gorros, das luvas, das mantas e das botas, encontram-se ali tristes, guardados.
Cada vez chegam mais pequenos novelos. Pretos, cinzentos, vermelhos, rosa, cremes, laranja, roxos...
Cada vez que a tampa se ergue, eles ficam à espera, à espera de sair da caixa; mas é sempre mais um pequeno novelo que vai cair no meio deles. São já tantos que a avó Cremilde tem de os apertar bem apertadinhos...
Um dia, a caixa sentiu que tampa era levantada uma vez mais.
Os novelos já não se interessaram. Devia ser mais um a vir fazer-lhes companhia.
Mas ouviram uma voz de criança exclamar:
- Tantos, tantos, avó, parece o arco-íris...
E calou-se. A avó Cremilde ficou a olhar os pequenos novelos. A olhar, muito calada.
A Inês disse:
- Que foi, avó?
- Nada, minha querida, vai brincar; a avó já vai.
A Inês saiu a correr. A avó Cremilde ficou a olhar, a olhar os novelos. Depois riu-se.
Pegou na caixa destapada. Os novelos, sem perceberem nada, sentiram-se despejados sobre a mesa da sala de costura. A avó Cremilde já tinha ali à mão as suas queridas agulhas.
Escolheu, escolheu as cores, os tamanhos e colocou-os todos arrumadinhos, lá numa ordem que só ela sabia para que servia. E desatou a trabalhar.
Trabalhou toda a tarde e em outras tardes. O que ela estava a fazer, ninguém sabia, como sempre.
Mas, no outro fim-de-semana, quando a Inês voltou a casa da avó e pediu: “Eu queria ver outra vez a caixa das lãs que parecia o arco-íris...”, a avó Cremilde mostrou-lhe a caixa vazia, mas mostrou-lhe também uma boina, um casaquinho e umas luvas de muitas e bonitas cores bem combinadas.
- Oh, avó, tão lindo!...
A Inês, mesmo com cinco anos, compreendeu. Viu que o arco-íris de lã passara da caixa para a boina, o casaco e as luvas.
E, quando a avó lhe disse que aquilo era para ela, ficou tão contente que beijou muitas vezes o rosto engelhado e feliz da avó Cremilde.
Mas, contentes, muito mais contentes que a Inês e a avó, estavam todos os restos de lã por terem saído da caixa de sapatos e se sentirem úteis, transformados naquela boina, naquele casaco e naquelas luvas realmente tão alegres e bonitas, parecendo o arco-íris, tal como, uma semana antes, a Inês afirmara.
Margarida Ofélia,
História de Uma História e Outras
Sem comentários:
Enviar um comentário
Obrigada pelo seu comentário!